UM EMAIL, DE UM ANO ATRÁS

me chamou a atenção, faz alguns dias. Estava relendo as mensagens que recebia e escrevia logo depois do nascimento do Francisco, para reavivar a memória — eu estava escrevendo sobre o pós-parto. Uma querida amiga, que me mandou vários emails durante aqueles meses, muito delicadamente colocava à prova algumas das decisões que tomamos: usar fraldas de pano, não dar chupeta, encarar as cólicas com muito peito. Ela se preocupava com meu estado e me perguntava que aquelas coisas valiam a pena.

Algo muito rico nesse tipo de amizade é poder confrontar ideias sem que ninguém se sinta ofendidx. Responder para ela a mensagem que copio abaixo me ajudou a consolidar minha posição. Relendo hoje, percebo que mantive muito daquilo que defendo. Ainda assim, é bom evitar qualquer rigidez absurda. Busco me manter aberta e vigilante, questionando-me a respeito das nossas escolhas. Sobre as fraldas, por exemplo, recorremos às descartáveis quando fazemos passeios mais longos ou durante uma viagem. Nós nos perguntamos também a respeito do sling: até quando será confortável carregá-lo sem o auxílio de um carrinho? De maneira semelhante, reflito a respeito de sua alimentação. Por mais que tenha iniciado a comer por blw, vejo que o método tem seus limites e algumas vezes dar uma papinha é mais compensador do que apenas pedaços de comida (falarei mais sobre isso em outro post).

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Quando alguém me pergunta: “você ainda amamenta? por que você usa sling? as fraldas de pano não dão muito trabalho? por que você não compra papinha pronta?” eu procuro, primeiramente, não encarar como uma provocação. Em alguns momentos, fico em silêncio ou faço cara da alface. Mas, da mesma forma, me sinto bem se perceber uma oportunidade para trocar experiências e pontos de vista.

Para finalizar, o email:

Marco e eu optamos por uma série de coisas que fogem ao padrão, a gente se confronta com essas escolhas e tentamos ver criticamente. A fralda de pano foi uma delas, quando compramos estávamos mais olhando as vantagens, meio idealistas e ingênuos, sem olhar as desvantagens. Talvez elas convenham mais a quem tem mais tempo livre (o Marco trabalha período integral), quem tem máquina de lavar em casa, quem tem empregada, quem tem dias de sol pra colocar no varal… ainda não sabemos até quando vamos mantê-las, até porque mesmo as pampers tem as suas desvantagens. Na verdade, qualquer coisa que escolhemos terá seus pontos fracos e fortes.

Se posso dizer que algo atrapalha, são os comentários que vão contra o que pensamos (colo deixa o menino mal-acostumado, dar o peito sempre não adianta, dá chupeta pra ele, etc.). Respeitamos a opinião de todo mundo
mas também de certo modo é preciso respeitar a nossa maneira de criar o Francisco. Às vezes me pergunto se é melhor deixar quieto ou discutir.

Gosto muito do contato de dar o peito, seja pra comer ou pra que ele se sinta bem (e ele se sente realmente bem, é lindo ver isso) — até porque comer e prazer estão muito relacionados! Eu mesma e o Marco acreditamos que nossos problemas com o maxilar e aparelho ortodôntico tiveram origem no uso da chupeta. E como você disse, é sempre uma luta querer tirar anos depois a chupeta da criança. Parteiras e enfermeiras me recomendaram que ele tentasse chupar o dedo (o meu ou o dele), mas ele percebe a diferença. Raramente chupa meu dedo e fica bem.

Tento julgar cada vez menos a maneira de criar os filhos que observo em outros casais. Até porque a criação é um processo sem fim, um aprendizado a todo momento, não sei ainda tanta coisa! Não sei se daqui uns meses o quanto teremos mudado em relação às nossas escolhas. Estamos sempre tentando, buscando, ficando de olhos abertos.

OS PRIMEIROS DIAS DO PÓS-PARTO

são muito importantes; é o começo da vida do bebê fora da barriga. Tudo muda no cotidiano da família — uma nova pessoa chega em casa! Uma pessoa que precisa de cuidado intensivo, que se comunica numa linguagem diferente da nossa, que até pouco tempo atrás vivia num ambiente quentinho, escuro, sem respirar e sem ter fome… (sobre essa transição que é o nascimento, recomendo ler Shantala, de Frédérick Leboyer).

O que precisa essa “pessoa pequena” (eu chamava o Francisco assim no comecinho)? Contato com o corpo da mãe e do pai. Peito e de colo.

Não é por acaso que chamam esse momento de lua de leite — linda essa expressão. Ela sinaliza também que a mãe e x bebê precisam de isolamento, um ambiente calmo e de gente de confiança ao redor para dar conta das atividades domésticas.

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Aqui, a sogra ajudou cozinhando todas as refeições para nós. Outras pessoas da família faziam compras e outras pequenas tarefas. O Marco, mesmo indo trabalhar, também fez muito. Eu levei a sério a dica de dormir e descansar sempre que possível. E recebemos poucas visitas. Assim eu poderia ficar bem à vontade, com os peitos de fora (coisa importantíssima nesses primeiros dias de amamentação), sem me preocupar com compromissos, relógios, hora marcada.

Em A maternidade e o encontro com a própria sombra, Laura Gutman ressalta como o pós-parto é o momento em que a mãe deve conectar-se com x bebê e consigo mesma — e para isso é preciso deixar de lado o mundo, o tempo, xs outrxs. A mulher tem a oportunidade de se redescobrir, assumindo seu novo papel no mundo: mãe e nutriz.

Depois que voltamos da casa de parto, fiquei uns dias dentro de casa. Não saí para nada. Talvez só depois de uma semana fui dar uma volta no quarteirão com o Francisco no sling. Que delícia era aquela sensação de caminhar com o corpinho dele junto ao meu! Era semelhante ao estado da gravidez, o meu corpo carregando outro. Fizemos duas visitas-relâmpago a uns amigos e aos avós. Preferia não me afastar de casa, onde me sentia segura para dar de mamar e descansar.

Em suma, passamos os primeiros dias do pós-parto bem recolhidos e concentrados. Mesmo assim, lembro o quanto as horas passavam voando — e o quanto foi valioso o silêncio e o repouso para acolher o Francisco na nossa vida.

NÃO REPARE A BAGUNÇA

é aquela frase recorrente quando se recebe visita. Eu a tenho repetido a mim mesma, muitas vezes, ao ver o estado em que a casa se encontra desde que o Francisco nasceu.

É uma junção de fatores: com um bebê, há menos tempo para dar conta de todas as tarefas da casa. Prioriza-se: frequentemente eu prefiro aproveitar o sono do Francisco para tirar um cochilo também. Assim eu posso recarregar a bateria e até mesmo encarar as mamadas noturnas numa boa. Aí acontece de acumular louça, roupa, outras pequenas pendências.

Acrescente-se o fato de que o Francisco, faz um tempinho, movimenta-se livremente pelos cômodos do apê, abre armários e gavetas, tira coisas do lugar, espalha brinquedos aqui e ali.

Há quem decida trancar os móveis da casa, a fim de proteger a criança e os objetos guardados. Nós optamos por deixar tudo aberto. Mudamos algumas coisas para prateleiras que o Francisco não alcance. O resto está à sua disposição e curiosidade.

Teve a fase de tirar todas as meias e cuecas das gavetas. Depois deixou de ser novidade e ele partiu para explorar algum outro cantinho.

Importante é não deixá-lo desacompanhado. Sempre de olho, com ele brincando por perto. Se estou cozinhando, é melhor que ele fique entretido no armário com as tigelas e potes de plástico.

E sobretudo é fundamental não encanar com a bagunça, vê-la pelo lado positivo, como sinal de atividade, movimento. Um trecho de “Mulheres visíveis, mães invisíveis” (p. 123) ficou na memória: exigir demais de mim mesma e dxs outrxs é um desperdício de energia.

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Em outras palavras, tenho me dedicado ao exercício cotidiano de amar os pratos sujos na pia, as roupas desorganizadas e o chão empoeirado — como marcas da vida e do crescimento de uma casa.

FICAR EM SILÊNCIO

e me afastar: eis um recurso que tenho usado cada vez mais, no dia-a-dia, em situações de confronto. Um exemplo: a vizinha vem dar palpite porque o Francisco não dorme em berço.

Se fosse uns meses atrás, eu começaria a explicar nossa decisão, dar argumentos. Mas já percebi que isso poucas vezes adianta. A outra pessoa, em grande parte dos casos, não está interessada em debater pontos de vista. Ela quer, quase sempre, somente mostrar que tem razão, por conta de sua experiência.

Por conta disso, passei a adotar uma postura menos defensiva; ou seja, fui me dando conta de que eu não tenho necessariamente que defender meu ponto de vista. Assim, busco escutar o que me tem a dizer — e reagir da maneira mais neutra possível.

Uma boa imagem para essa neutralidade é o meme “cara de alface”, que surgiu no Memezinho da mamãe.

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(fonte: Memezinho da mamãe)

Antes de me tornar mãe, poderia imaginar que situações como essa são exagero. Pena que não…É de se perguntar porque são recorrentes os palpites em torno de mães e pais de bebês pequenxs.

Já ouvi de tudo: “você está machucando seu filho dentro do sling”; “é perigoso dormir com bebê na cama”; “amamentar mais de um ano faz mal à saúde”; “deixa ele chorar”; “não o carregue tanto no colo”; “você deveria voltar a trabalhar”…

Meses atrás, eu considerava esses palpites mais pelo seu aspecto negativo: “a pessoa me vê como incapaz de cuidar de meu próprio filho!” Com o passar do tempo, tento levar como um tipo de ajuda, aceitando a opinião alheia, mesmo sendo muitas vezes diferente da minha. Pensar assim tem me deixado mais leve.

Ficar imaginando que o mundo conspira contra mim só aumentava o stress e me fazia sentir mais isolada. Ajudou-me muito ler sobre comunicação não-violenta (outros dois posts sobre cnv aqui e aqui).

Gosto de pensar que estamos numa via de mão dupla. Por um lado, eu não faço o que esperam de mim como mãe — amamento, carrego no sling, compartilho a cama. Em retorno, há de se entender que as pessoas não reajam como eu gostaria, manifestando seu desacordo. Parece justo, não?

O mundo não gira ao meu redor. Ninguém tem a obrigação de agradar ou satisfazer minhas expectativas. Se a gente prega a tolerância, tem que tolerar também aquilo que não nos agrada.

Por ora, tenho exercitado a escuta da fala dx outrx. E ficando em silêncio, quando não encontro boas palavras como resposta.

MICOSE NAS UNHAS

dos pés: eis um dos problemas que tenho enfrentado nos últimos anos. Normalmente temos vergonha do assunto; aparenta falta de higiene, descuido. É algo relativamente fácil de esconder.

Da mesma forma, a solução pode ser bem simples: marcar consulta no dermatologista, tomar um remédio via oral e passar uma pomada ou esmalte nas unhas. Pronto, os fungos assim estariam mortos. Quem sabe até indo direto à farmácia, mais rápido ainda, consegue-se um medicamento sem receita que resolve a questão.

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Mas eu não quis passar por um tratamento alopático como o que descrevo acima. Os remédios me impediriam tentar engravidar. Depois, grávida, e agora, amamentando, não posso tomá-los. Em seguida ao parto, a situação das unhas piorou, fui novamente ao dermatologista. Ele me recomendou que eu parasse de amamentar. Recusei. E foi esse impedimento a tratar especificamente a micose que me levou a descobrir muitas coisas relacionadas a ela e a mim mesma.

Por que eu tenho essas manchas nas unhas e meu marido, com quem vivo, não tem? Eu imaginava que micose seria contagiosa. Há, porém, um fator decisivo: ela se desenvolve num corpo que não consegue se defender. Em outras palavras, se o sistema imunológico não é forte o suficiente, o fungo encontra terreno para crescer e proliferar.

Essa informação encontrei nessa página, junto com alternativas de tratamento natural. Então a micose seria a manifestação de algo mais profundo. Todos aqueles meus probleminhas de saúde estavam relacionados ao fato de que meu corpo se defende mal contra invasores.

E como minha imunidade chegou a esse estado? Há fatores que enfraquecem o sistema imunológico. O uso elevado de antibióticos é um deles. O antibiótico nos ajuda, ao mesmo tempo em que nos tira a chance de nos defendermos sozinhos contra uma infecção. Açúcar é outro elemento, junto com a farinha refinada, glúten. Leite de vaca também pode entrar nessa lista. Stress, más companhias e ambientes hostis também nos afetam.

Quase nenhum médico tradicional conhece ou nos informa sobre isso. Perguntei ao dermatologista — era o médico-chefe do hospital — e ele não soube me dizer nada de concreto. Infelizmente a formação deles não enxerga o corpo como um todo. E que carregamos um espírito ali dentro.

Estou num processo de cura integral. A micose, nesse panorama, é só um detalhe.

Descobri que preciso recuperar minha flora intestinal, um dos pontos fundamentais para um sistema imunológico eficiente. Mudei minha alimentação. Visito terapeutas diversos. Podologia, bioressonância, reflexologia são alguns dos tratamentos que tenho contato. Por sorte, encontro pessoas gentis, sérias, atentas. Muitos textos na internet me informam e inspiram: este sobre o glúten, e aqui também, entre outros.

Encontrando orientação com terapeutas e apoio em textos, compreendi que eu mesma sou minha terapeuta: eu me observo, me controlo, me cuido. Cabe primeiramente a mim essa tarefa.

Já perdi unhas, elas doem e crescem tortas. Agora estão melhorando, lentamente. Paciência é um ingrediente de suma importância.

Há muito ainda o que descobrir. Fico feliz por tantas pequenas coisas, principalmente pela possibilidade de aprender e de me transformar.