ERA UMA FESTA DE HALLOWEEN

numa república. Conhecia pouca gente por lá. Logo me enturmei e estava papeando numa rodinha. O tempo passa e quando me dei conta estava sozinha conversando com um cara que fazia geografia. Bonitinho, simpático, falador. Ele pesquisava sobre pedestres. Achei demais o tema — era algo que eu mesma gostaria de estudar!

À conversa se seguiram beijos e abraços. No fim da festa, queria ir embora comigo. Morava bem longe, com os pais; precisava esperar o metrô, depois pegar ônibus… Eu estava a poucos minutos a pé de casa. O que fazer?

Resolvi levá-lo para passear nas redondezas. Augusta, Paulista, Brigadeiro, Bixiga. Percurso improvisado, passos calmos, pausas aqui e ali. Quando o sol já estava chegando, tomamos um café perto da Câmara. Próximo ao Anhangabaú nos despedimos com telefones trocados — ele, cheio de promessas de reencontro, dizia-se fascinado com a minha ideia de ficar perambulando pelas ruas do centro.

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Mas talvez não tenha sido assim tão maravilhoso como ele mesmo repetia. Convidei-o outras vezes, porém havia sempre alguma desculpa: — “é fim de semestre, deixa pra depois; estou super atarefado”… Tempos depois descobri que ele me contou coisas que não eram verdade. E fui percebendo que os elogios que recebi poderiam ter sido só um artifício de paquera — e que não eram de coração.

E assim foi essa pequena história da moça que quis se vestir de bruxa e levou um moço de longe para passear pelos labirintos de um território que ela conhecia tão bem. Foi passear, procurando quem tivesse disposição para acompanhar e descobrir novas estradas.

ESCREVER SONHOS

tornou-se um hábito logo nos primeiros meses de escrita no blog. Antes, que eu me lembre, talvez não fossem assunto tão recorrente dos meus diários e agendas. O interessante era contar aos amigos os sonhos que tive com eles. Tinha também sonhos com cenas de cinema, com o Almodóvar cortando meu cabelo, por exemplo, que também era engraçado passar adiante.

Fui muito inspirada pelo filme “Waking life”. Amava escutar a trilha sonora, da Tosca Tango Orchestra, enquanto estudava ou preparava aulas.

O cartunista francês David B. me influenciava também. Seu livro “Le cheval blême” era uma seleta de pesadelos que eu li repetidas vezes.

Tinha uma fascinação pelos surrealistas: Breton, Éluard, Aragon, a patota toda. Morria de medo da cena do “Cão andaluz”, em que se cortava um olho — era um olho de boi, e não de uma moça, mesmo assim dava agonia.

Também criava uma suposta relação dos surrealistas com Mário Peixoto e seu “Limite”. Eu tinha ganhado um VHS do filme e um livro com o manuscrito do roteiro.

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Nunca fiz psicoterapia ou análise e li praticamente nada de Freud ou Jung. Fui empiricamente juntando referências e colecionando relatos de sonho, como por hobby, diversão — do mesmo jeito que escrevia sobre literatura, cinema ou música.

Faz uns anos fui me dando conta das mensagens que os sonhos me passam. Há temas e tipos de sonho mais recorrentes. Alguns deles antecipam o que há de vir. Tenho ainda muito o que aprender com eles. Basta me deixar levar, estar atenta ao que neles acontece. E escrever!

XIXI E COCÔ

são os temas deste post — bom dizer assim, logo de cara; assim, quem sente nojo de ler sobre essas coisas pode já interromper a leitura.

Este post aqui me inspirou. Afinal, viver junto com um bebê leva a observar tudo sob novos pontos de vista.

No começo de tudo, não havia cocô, mas mecônio. Lembro bem da primeira troca de fralda: o corpo pequeno e magrinho daquele bebê que tinha cheiro de sangue. No bumbum, vi uma pasta escura, que a parteira ajudou a limpar.

Ao sair da casa de parto, estávamos felizes porque o cocô era amarelinho, como devia ser. O leite desceu, ele mamava bem e nossos corpos, agora dois, funcionavam direitinho.

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Os primeiros dias eram tão corridos que eu não tinha tempo nem de fazer xixi — era o que eu dizia e também já ouvi de outras mães o mesmo comentário. Banhos? Somente a três: Francisco, Marco e eu embaixo do chuveiro.

Algumas vezes o cocô do Francisco esverdeava. Dizem que acontece quando a mãe come frutas demais. Ou que o leite é pouco gorduroso. Não soube apurar isso com precisão.

Eram frequentes os vazamentos; às vezes o piupiu não estava posicionado para baixo. Também já recebemos jatos de xixi durante as trocas de fralda.

Usando fraldas de pano, é normal que a gente tenha muito contato com as excreções — cheiro, consistência, pedacinhos… são todos detalhes interessantes de observar quando bebê começa a se alimentar. Tudo muda! Consigo identificar a comida que está ali digerida. E dá até mesmo para reconhecer quando o Francisco comeu alguma guloseima com açúcar: o cheiro é bem mais desagradável do que normalmente…

Por volta dos 10 meses, o Francisco começou a ter dificuldade para fazer cocô. Acredito que foi o momento em que ele se deu conta do fato. Ficou meio receoso e segurava as fezes. Alguns dias não evacuava. Com muita calma, segurava-o no colo, sentada na privada junto com ele. Chorava, deixando sair.

Muitos bebês passam por essa fase de cocô duro e seco nos primeiros meses de introdução alimentar. É preciso oferecer água com frequência e atentar para alimentos que ajudem o trânsito intestinal. Algumas vezes deixo umas ameixas de molho, à noite, para de manhã beber a água e fazer um mix com as ameixas molinhas. De toda forma, não é recomendável recorrer sempre a essa receita, para que o intestino se regule com a alimentação normal.

Pouco tempo depois o Francisco aprendeu a sinalizar que tinha feito cocô, dando uns tapinhas na fralda. Fala “cocô” e “xixi”. É um passo para o desfralde, penso eu. Cada coisa ao seu tempo… futuramente volto ao assunto!

EU QUERIA SABER

— esse é um rascunho de post, de quatro anos atrás, que encontrei há pouco tempo. A foto é de um caderno, daqueles que eu usava como diário, naquele época. Eu desenhava, copiava trechos de livro, traçava planos, contava pequenos causos.

O que escrevi tem tudo a ver com coisas que eu penso desde pequena. Com uns nove anos de idade, comecei a ter agendas e diários. Num deles, de brincadeira, escrevia pequenas mensagens para o futuro. Por exemplo: era fevereiro; eu abria uma página em setembro e escrevia algo curto. Pensava em fazer um teste comigo mesma — será que daqui alguns meses vou me lembrar desse momento aqui presente?

Anos e anos depois, fazendo o mestrado, fui atrás do diário de Helena Morley. Já tinha assistido ao filme, e gostado muito. Num trecho ela fala em “histórias do tempo antigo para o futuro“. Essa expressão me marcou demais. Porque é isso mais ou menos que me dá prazer em criar: pequenas histórias, como garrafas que se lança no mar, para se ler num tempo posterior.

O eu do passado diz muitas coisas ao eu de hoje. Só não sei que carta é essa que não chegou. Pensando bem, talvez ela já tenha chegado, essa carta que eu estava esperando.