A SOLIDÃO

é tema recorrente das conversas de mãe. Muita coisa muda depois da gravidez e do nascimento da cria. Uma delas é a relação com o mundo e as pessoas ao redor.

Nos primeiros meses, a tranquilidade é fundamental, para viver uma boa lua de leite, descobrir os pequenos detalhes do bebê, reconhecer seus sinais, falar com ele — e sobretudo descansar.  O pós-parto é um momento de transformação imensa; por isso, melhor fugir de quem dá palpites demais e acaba interferindo na relação entre mãe e bebê.

Aqui, me concentrei a fundo na vida de mãe — coisa que contei no nesse post . O resultado, ao longo dos meses, é um dia a dia bem isolado. Saímos para brincar no parquinho, andar por aí, ir ao correio, fazer compras. Tudo isso com uma certa flexibilidade de horários, muitas vezes sem pressa.

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Mas o tempo passa — rápido, num piscar de olhos — e me vejo num momento de transição. O Francisco quer sair de casa. Sua vontade faz bem não somente a ele, que quer ver o mundo, conhecer outras crianças, descobrir os parquinhos, com seus escorregadores, gira-giras e balanças; quer pegar ônibus, bonde, trem; escolhe os caminhos pela rua, se vamos à esquerda, direita, em frente. Faz bem a mim também. Me faz reatar os laços com o mundo, me dá a possibilidade de assistir a novos começos.

A rotina em casa mudou? Muito! Antes, eu tinha tempo para fazer um café da manhã em casa, todo balanceado, preparar o almoço. Fazia massagem no Francisco, a gente tomava banho… enfim, era tudo diverso dos últimos dias. São fases, elas vem e se vão. Que eu possa sempre estar atenta às mudanças, reinventar o cotidiano e me alegrar com as experiências que se acumulam na lembrança.

QUE DIFÍCIL SAIR DE CASA!

— esse é um comentário que faço a mim mesma com frequência. Mais de um ano atrás, quando o Francisco ainda era um bebê dentro do sling, eu já comentava sobre isso. A dificuldade é menor hoje, mas ainda permanece.

A ilustração é de Lucy Scott, que retratou com bom humor as dificuldades de seu primeiro ano como mãe. Essa foi a com que mais me identifiquei: “passeio improvisado: aproximadamente 45 minutos até conseguir sair de casa”. 45 minutos parece até pouco tempo para cruzar a porta de casa!

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O dia passa como num piscar de olhos. Já de manhã, digo ao Francisco: — vamos passear? Mas antes precisamos comer alguma coisinha, tomar banho… Só que vai sempre aparecendo algo mais para fazer — louça acumulada, comida para preparar. Faço inúmeras pausas nos afazeres para brincar com o Francisco, abrimos um livro, inventamos músicas e joguinhos, damos risada. Tem momentos em que ele quer peito. Acaba tirando um cochilo. Chega a hora do almoço. Depois do almoço, a gente sai. Mas ainda falta tomarmos banho! Depois do banho, o Francisco faz cocô. Limpa. Troca roupa. Aproveita que a máquina de lavar terminou e vou pendurar roupa no varal. Prepara a bolsa para sair, sem esquecer gorro, blusinha, fraldas de reserva, garrafa de água, etc. etc. etc. Quando vejo estamos já no final da tarde. Ou já é de noite…

Desde que o Francisco nasceu, tenho pouquíssimos compromissos. Cada pequena tarefa cotidiana — como ir aos correios ou a uma consulta médica — é para mim um grande desafio. Lembro de algo que li sobre a maternidade: a mãe acaba entrando no universo de sensações e assume um pouco da perspectiva do bebê. É como se eu tivesse me tornado um pouco bebê e perdido a noção de tempo, compromisso, hora marcada… Tentei me matricular no curso de ioga para mães, desisti sem nem ter ido. Meses depois, pensei em pilates — desisti do mesmo jeito. Eu me sentia incapaz de me programar para sair de casa a tempo. Pensava: — e se no horário do curso o Francisco está dormindo? Prefiro ficar em casa e descansar junto com ele!

Na verdade, acabei escolhendo por ter o mínimo de eventos e me concentrar no ritmo do Francisco — suas sonecas, seus horários de brincar, de mamar. Hoje, é claro, temos o horário para comer, almoço, lanches, janta. Mas fora isso, diferente de outras famílias, não existe um momento definido para dormir ou acordar, nem mesmo para a soneca diurna.

Tudo tem seus dois lados. Fico pensando como seria se eu tivesse me integrado em alguma atividade externa, se não teria isso positivo para nós dois. Mas percebo também que o melhor é o que efetivamente conseguimos fazer. Respeito e aprendo com meus próprios limites, os erros e acertos. E principalmente, tenho acolhido a solidão que marca esse período inicial da maternidade — tema de um post futuro.

NÃO REPARE A BAGUNÇA

é aquela frase recorrente quando se recebe visita. Eu a tenho repetido a mim mesma, muitas vezes, ao ver o estado em que a casa se encontra desde que o Francisco nasceu.

É uma junção de fatores: com um bebê, há menos tempo para dar conta de todas as tarefas da casa. Prioriza-se: frequentemente eu prefiro aproveitar o sono do Francisco para tirar um cochilo também. Assim eu posso recarregar a bateria e até mesmo encarar as mamadas noturnas numa boa. Aí acontece de acumular louça, roupa, outras pequenas pendências.

Acrescente-se o fato de que o Francisco, faz um tempinho, movimenta-se livremente pelos cômodos do apê, abre armários e gavetas, tira coisas do lugar, espalha brinquedos aqui e ali.

Há quem decida trancar os móveis da casa, a fim de proteger a criança e os objetos guardados. Nós optamos por deixar tudo aberto. Mudamos algumas coisas para prateleiras que o Francisco não alcance. O resto está à sua disposição e curiosidade.

Teve a fase de tirar todas as meias e cuecas das gavetas. Depois deixou de ser novidade e ele partiu para explorar algum outro cantinho.

Importante é não deixá-lo desacompanhado. Sempre de olho, com ele brincando por perto. Se estou cozinhando, é melhor que ele fique entretido no armário com as tigelas e potes de plástico.

E sobretudo é fundamental não encanar com a bagunça, vê-la pelo lado positivo, como sinal de atividade, movimento. Um trecho de “Mulheres visíveis, mães invisíveis” (p. 123) ficou na memória: exigir demais de mim mesma e dxs outrxs é um desperdício de energia.

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Em outras palavras, tenho me dedicado ao exercício cotidiano de amar os pratos sujos na pia, as roupas desorganizadas e o chão empoeirado — como marcas da vida e do crescimento de uma casa.