FAZIA UM ESTÁGIO

numa escola pública; começo do ano letivo. O secretário da educação estava na sala de aula, distribuindo cadernos aos alunos. Ele autografava cada caderno, junto com uma mensagem e uma foto sua. A ideia era motivar os alunos… como estagiária, eu fazia a distribuição aos adolescentes, com zombaria discreta.

Uns quatro alunos chegam atrasados. Como castigo, eles devem deixar os documentos conosco, e teriam o nome anotado no livro negro. Não eram brasileiros: tinham carteiras de identidade estrangeiras, passaporte, rne. Um deles começa a falar japonês conosco, sorridente (estaria ele tirando uma com a nossa cara?). Aponta para uma televisão que está atrás de nós, ao lado da lousa. Estava passando um episódio das tartarugas ninja. Mas elas estavam velhas e muito gordas, quase irreconhecíveis.

RECEBIA UM EMAIL

só um, no sonho; destacava-se dentre os já lidos. Abria: fora o oi e o nome de quem me mandou, uma frase só: “ah, você só poderia ser você mesmo!” Ao ler essa mensagem, ria um pouco, desconcertada. Fechava e abria o email, como se o conteúdo pudesse mudar – não mudava. Eu era eu.

Antes disso eu me perdia em vários corredores de uma feira de universidades, um lugar antigo, com cores creme, alguns corredores mais novos, outros parecendo um lugar no Mediterrâneo. Esse lugar ficava num terreno de subidas e descidas, casinhas de pedra, chão de pedra. Depois de o carro onde eu estava quebrar a pouca distância dali, de me perder do grupo que estava comigo, eu conversava com uma representante do estande do Japão. Poderíamos ter um acordo, eu era favorável. Dizia para ela que as políticas diplomáticas brasileiras são baseadas na reciprocidade.

FUI VIAJAR

senecio, paul klee

talvez tenha largado tudo, ou talvez as férias já tivessem chegado. Sei que cheguei na cidade cheia de sol, sem mar, só terra seca, uma casinha nova para visitar. Uma senhora de cabelos brancos olhou para mim e disse: – ahn, então é você? – sim! Era só o que eu sabia responder, era como se não falássemos a mesma língua.

E não falava a mesma língua de meu anfitrião, um sotaque forte que escondia toda uma distância que não sabíamos como diminuir. Muita conversa de silêncios. Ele me mostrou as fotos de Akemi, menino com nome de mulher em japonês. Ele dizia que eu tinha conhecido Akemi na viagem anterior. Não lembrava.

Sentamos na calçada da rua calma de sua casa, olhando o céu e o sol, sem fazer nada. Uma televisão ao longe. Eu  via meu anfitrião como um retrato cubista, seu nariz parecia sua orelha, os cabelos uma parte da barba.

Em outro sonho eu era uma camareira de hotel que acaba se tornando próxima de um cantor de rock meio desconhecido. A porta do quarto tinha uma chave como tramela. O cantor de rock adorava conversar com todo mundo. Era como se fosse um Heath Ledger velho, como se ele não tivesse morrido e se tornado cantor barato. Lembrávamos daquele filme em que ele foi cavaleiro medieval, que eu não vi.

UM POUCO SOBRE CADA

filme desses últimos dias:

O Pequeno Nicolau: gracinha; há desmaios demais; como efeito cômico isso cansa. E a leitura do filme é centrada na vida do Goscinny (Nicolau seria Goscinny…), o que não é tão genial – e deixa o Sempé, que desenha Nicolau, de lado. Uma criança gritou durante a projeção: “Ai que filme chato!”

Cartas para Julieta: como vários filmes assim, começa promissor; mas depois da primeira meia hora, é só esperar o final.

Brilho de uma paixão: ele escreve, ela costura; poesia bonita, roupas lindas, paisagens de se apaixonar mesmo – e triste!

À prova de morte: Tarantino, a esperança de ver sempre algo ótimo; e provando que adora pés de mulher – Mia em Pulp fiction estalando o pé pra trás antes de dançar nunca vai sair da minha cabeça.

Ponyo: outra certeza pra vida – eu me emociono imensamente com Miyasaki! Até com o trailer “this summer” que a Disney fez pro filme, deturpando a história.

O profeta: como que pelo menos duas pessoas elogiaram à beça esse filme e recomendaram? “Bem bom” no máximo, como a Karen disse; previsível demais prum filme q dura 2h30. Mais uma vez aquela coisa dos franceses não perceberem que a França está “mudando”. Hum.

Hanami, cerejeiras em flor: mais Japão, além do Miyasaki; Japão com Alemanha; tocante com poucas coisas, com a sinceridade. Merece um post à parte.

SEMPRE ME PARECEU

um dever, para mim, a leitura da produção literária brasileira contemporânea – um dever daqueles que eu não sigo como gostaria. Não somente para alimentar o repertório de assuntos em rodas de colegas em festas e jantares. Mas pelo fato de que são obras de pessoas que estão aí, andando pelas ruas, pessoas com as quais podemos encontrar e falar. Já fui apresentada ao Miltom Hatoum, por exemplo, e fiquei vexada de conhecer a obra dele de longe somente. De não ter lido nada, nem que fosse para falar mal. Até hoje ainda não peguei nada do Hatoum para ler… porque a prioridade foram as leituras obrigatórias do curso.

Enfim, mas encontrei no trabalho que fiz em dezembro para a rádio francesa (merci enorme para Daniela Prado) o escritor Bernardo Carvalho, e gostei muito da postura dele, da maneira como colocava suas opiniões. E é um cara respeitável e tudo. Sabia que o último livro tratava da imigração japonesa em São Paulo. Aí fiz o percurso básico até a livraria comprar O sol se põe em São Paulo, lançado em 2007.

E não somente: comecei a caçar na internet entrevistas e coisas do tipo. Enquanto lia ainda o livro, peguei esse texto da revista rascunho, no qual Bernardo levanta as questões que toda pessoa envolvida com literatura (seja escrevendo, seja lendo ou estudando) se faz: para que serve a literatura? serve para alguma coisa ou não tem que servir para nada mesmo?

De uma maneira ou de outra, Bernardo Carvalho leva à sério a reflexão, e a coloca de maneira central neste romance, resultado talvez de um impasse no qual ele se encontrava depois de dois livros bem-sucedidos. Ligado ao pensar-sobre-literatura, ele constrói ao mesmo tempo uma investigação, de retorno às origens, romance de viagem e de aprendizado, coisa do romance por excelência.
Por mais que em alguns momentos force a mão na linguagem, tentando ser muito explícito, ou muito explicativo, o que para mim cansa, aprecio o fato de um livro prender a leitura. E foi o que aconteceu comigo. Lia grudada ao livro.

E viagens distantes, pelo que me parece, estão sendo mais frequentes para Bernardo. Ele que foi ao Japão, para escrever o livro (poderia ter feito como Chico Buarque em Budapeste, escrever sobre um lugar sem ter ido?…) sem ajuda financeira, com poucos recursos próprios, ficou um mês em São Petersburgo por conta de um projeto bem ambicioso, Amores expressos: dezesseis escritores brasileiros em diversos lugares do mundo escrevem histórias de amor, mantêm um blog durante a viagem (o de Bernardo aqui), para que depois os livros sejam adaptados ao cinema. Interessante, não?

Voltando a O sol se põe em São Paulo, uma coisa ele vai deixar comigo: a idéia de que as histórias são essenciais para vida, e que devemos ouvi-las e contá-las, antes de morrermos.