HOJE EU QUERO SAIR SÓ

o clipe dessa música saiu bem na época em que eu vim passar férias no Rio com a família. O colorido do centro da cidade me encantava, era um outro ar, mesmo que parecido, diferente do centro de São Paulo que eu gosto tanto.

Era julho, tinha Copa do mundo como teve este ano. Uma noite eu liguei pro Teleguiado, aquele programa com o Cazé, ele me atendeu. Sempre tinha pensado em pedir o ‘Devil’s haircut’, do Beck; mas como era copa a gente precisava pedir clipes de músicas brasileiras. Então não teve outro.

Tanto o Beck como o o Leninne estão em seus clipes andando pela cidade.

A letra também me convinha um tantinho, lá em 1998. Hoje talvez um pouco mais do que antes.

AS PEQUENAS COISAS

dos filmes do Rohmer, em meio às conversas que nunca terminam, os passeios, as viagens, são as que mais ficam. Agora terminando um texto, virando o dia sem dormir, começam os primeiros passarinhos cantar. Aí me vem “a hora azul” de Reinette et Mirabelle, no meio do mato; o raio verde do pôr-do-sol na praia, durante as férias de uma menina deprê e sem rumo; o joelho de Claire na paisagem alpina; o chapéu azul da duquesa; uma aula de francês para crianças; uma festinha nos anos 80; um menino indo embora na estação de metrô; encontros num bar.

Sozinha o tempo todo, procurando o raio verde, ele aparece quando ela está do lado de alguém.

E por aí vai.

CASA EM DEMOLIÇÃO

como várias que vem sendo demolidas. Era um conjunto de casas geminadas, o mais antigo que poderia ser. Uma família morava numa dessas casas, e precisava continuar ali mesmo com a demolição já começada. Quase tudo arrancado da estrutura, os fios aparentes, só uns colchonetes para dormir. Havia água?
Durante o dia, os moradores vendo os caminhões levando peças e entulho. À noite, a incerteza do sono. Alguns bichos, antes escondidos, já queriam mostrar a presença, dando mais medo à menininha.

DEIXA

pra lá, não pega, não leva agora. Você precisa mesmo disso? Posso ir atrás depois, mais tarde. Agora não, assim tá bom, como está. Calma. Não é pra gritar. Não precisa chorar. Não importuna, você está enchendo o saco. Não tou afim de falar. Reclama menos das coisas. Ainda tem tempo. Amanhã é melhor, hoje não. Deixa eu falar, não estressa. Você não sabe como é. Pra que sair correndo? Ela é quem sabe. Você quer controlar tudo. Você não tem ideia de como é difícil. O que você tem a ver com isso? Os incomodados que se mudem. A vida não é do jeito que você quer.

COMO APAGAR O SOM

de uma motosserra que está cortando árvores na janela do quarto, nos momentos em que se levanta da cama?
Ajuda ouvir esse musiquinha tão linda, que eu não canso de repetir!

O grupo, Tante Hortense, esteve aqui em São Paulo ano passado e ficou uns meses hospedado pelo grupo do Zé Celso. Apresentaram-se no Teatro Oficina, renovando a mistura Brasil-França, que às vezes pode ser muito chata, mas que com eles não foi. A linha de ônibus 531, sobre a qual a música fala, não existe no Rio.

UMA NOITE EM 67

teve pré-estreia essa semana; uma fila longa saía por uma das portas do conjunto nacional. Nelas, tanto pessoas que acompanharam o festival como outras que, ainda não nascidas em 67, apenas sentem o peso da música daquela época – e reverenciam, também. Eis um dos grandes valores do documentário: fala de um evento de peso para a cultura brasileira; resgata a memória, remasteriza as imagens, reatualiza as discussões que foram ali levantadas. Por isso só, pelos nomes que elenca em seu pôster, o filme vale ser visto, pronto.

Mas saio da sala com uma sensação que também compartilho com a minha mãe, com quem fui ver o filme: a de que só se ouve os grandes nomes, de que tudo é festejado; só se guarda daquilo o que realmente merece ainda reverência. Por mais que Caetano e Chico dêem hoje pouca importância ao festival em si, dizem “não sentir saudade daquela época” (acho sinceramente que os entrevistadores não precisavam perguntar coisa assim para Chico e Caetano, mas enfim), nem se lembram mais de cor as músicas que apresentaram. Mesmo com as revelações cruzadas que vão aparecendo nas entrevistas e que fazem rir tanto o público quanto quem está no filme. São pontos de equilíbrio, talvez, mas que continuam nas vozes dos próprios atores (e ainda assim, de alguns atores), o que não permite muita crítica ou muita abertura, mas volta e consolidação do passado. Pouco revolucionário ao tratar de uma “revolução”.

ALGUMAS REGRAS

eu nunca entendi direito. Ia jogando porque as regras não são a razão do jogo. Algumas vezes elas são incompreensíveis, como nas explicações de manual, nos arquivos de ajuda dos jogos do computador. Mais vale olhar para o tabuleiro, juntar pecinhas, apertar botões sem critério, perder repetidamente, acompanhar o conselho de alguém que sabe mais, lembrar de outros jogos, intuindo. Truco, por exemplo, adorava ver as pessoas gritando e dando risada, batendo as cartas na mesa, trocando olhares, sem ter ideia da regra mais elementar que guiava tudo aquilo. Que mais era necessário?

FOLHEANDO UM LIVRO

percebi aquele alarme metálico que todos os livros das livrarias têm, um pouco diferentes dos alarmes magnéticos das bibliotecas – e semelhante aos alarmes de qualquer outro produto, da farmácia, da loja de departamentos, disfarçado de código de barras. Um elemento que não deve ser percebido, discreto, da cor do papel, ou no fim do livro ou colado entre as mesmas páginas em todo o acervo. Inativo quando o livro é nosso, se substitui à propriedade. Intermitente, o da biblioteca.

A imagem que me veio é a desses inúmeros campos magnéticos silenciosos, que não sabemos ao certo se estão dormindo somente, se ainda há neles uma força que os faz agir em meio às palavras do livro, aos princípios ativos do desodorante. Magnéticos como os dados que guardamos nos discos – e que se apagam com o tempo, sem garantia, sem razão.

Parece a minha inquietação com o ar que eu respirava dentro das catedrais francesas – ar com poderes.

TUDO É VERDADE

em “A mulher de 30 anos”, de Balzac. Peguei o livro como uma autopiada (e para entender o fato de Balzac ter se tornado padrinho das mulheres de 30) e saio com muito mais do que esperava. Nenhuma lição moral e ao mesmo tempo uma grande lição moral.

A verdade e a realidade sem nenhuma base sólida. Mesmo com as incoerências mais evidentes – um capítulo termina em 1823, o seguinte continua em 1821-, com erros de continuidade que Balzac não escondia do leitor, e justificava como podia: apelando justamente para a vontade do leitor. É o leitor que quer que as mulheres daquelas histórias sejam uma só. Como talvez ainda hoje vejamos sempre as mesmas personagens de uma história a outra: de Truffaut a Manoel Carlos…

Ou mesmo em “Almas à venda”, de Sophie Barthes, que coloca Paul Giamatti fazendo ele mesmo, já sem a surpresa que o recurso trouxe em outros filmes. De que maneira o filme explora a homonímia? Nos fazendo lembrar de que os atores, querendo ou não, vendem as suas almas?

Ideia maluca terminando o post: um biofilme sobre Balzac com Paul Giamatti – no papel de Balzac.