VOCÊ É MINHA MÃE?, DE ALISON BECHDEL

é uma graphic novel autobiográfica, da qual tinha ouvido alguns bons comentários — sabia que era uma espécie de sequência ou lado b de Fun home.

Na verdade, Fun home se concentra sobre a figura do pai de Alison, falecido, provavelmente teria se jogado na frente de um caminhão, na beira da estrada. Teria ele cometido suicídio por não conseguir assumir sua homossexualidade? — essa é uma das perguntas que Alison, assumidamente lésbica, lança em sua narrativa. Já Você é minha mãe? se concentra na figura materna, principalmente ao longo do processo de criação da HQ sobre seu marido. De toda forma, minha intenção não é resumir as intrigas dos dois livros, mas apenas assinalar que as duas leituras se complementam e ajudam a entender uma a outra. É até interessante perceber os tons de cores usados: Fun home é colorido de azul, enquanto que Você é minha mãe? tem tons de vermelho e rosa — o que faz pensar na polaridade rosa e azul, para distinguir os sexos feminino e masculino. Não sei se foi intencional da parte da autora…

Comprei Você é minha mãe? no natal de 2013 e fui lendo no começo do ano seguinte. Junto com outros livros, a história de Alison me tocou e ajudou a rever melhor a minha própria.

A narrativa é muito intrincada, repleta de idas e vindas no tempo, referências literárias e psicanalíticas. Acompanhar o fio do raciocínio de Alison é como tentar refazer um novelo de lã cheio de nós e remendos. O livro está divido em capítulos: cada um inicia com um sonho de Alison — e o que se segue é uma tentativa de interpretação, recorrendo às sessões de terapia, conversas com a mãe, suas namoradas e sobretudo suas lembranças da infância.

Uma delas me chamou a atenção:

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Não tenho nenhuma lembrança parecida, mas essa polaridade entre corpo e mente que Alison viveu me soou muito familiar. Aquela célebre frase do Pequeno príncipe — “o essencial é invisível aos olhos” — era um tipo de lema. O corpo, esquecido, carregava o peso de uma mente que se enchia de conhecimento. Só agora, tantos anos depois, reconheço esse desequilíbrio, que venho tentando consertar. “Eu” deixei um pedaço de mim esquecido, de lado. Uma hora ou outra é necessário recuperar o que ficou na sombra.

E por falar em sombra, a leitura da Alison ecoa muitas coisas dos livros de Laura Gutman, por mais que os temas pareçam, à primeira vista, distantes. Há muitos pontos de intersecção. Um deles é Winicott, uma das leituras principais de Alison durante seu tratamento psicanalítico. E, mesmo sem o citar, Winicott é também uma das fontes do trabalho de Gutman.

Pela mesma razão, é possível fazer uma leitura num duplo ponto de vista: acompanhando Alison e sua busca autobiográfica, revendo momentos da infância — e também dando atenção à sua mãe e suas dificuldades na criação de sua primeira filha.

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As barreiras sociais, palpites e regras dificultaram a maternagem que Alison recebeu. Tudo isso é tratado de maneira muito delicada e respeitosa. Alison mantém contato com a mãe, expõe seu trabalho e espera dela sua opinião, um retorno. Observar essa relação também me fez pensar muito em mim mesma — tanto na filha como na mãe que eu sou.

QUASE NO FIM

do filme, dois personagens se encontram: comentam a história em quadrinhos que é desenhada durante o filme. A personagem que leu a história pergunta pro autor: – o cientista que você desenhou é o seu pai? Ele responde: – não, isso é só uma história. Você está tentando encontrar correspondências.

O mesmo acontece com quem está assistindo ao filme, que fica se perguntando: onde está John Cameron Mitchell dentro desse buraco de coelho?

ESTAVA NUMA ALDEIA

como a do Astérix, devastada pelas enchentes dos últimos dias. Uma professora tinha um castelo por perto, dava instruções a todos. Fiquei encarregada de enviar uma mensagem para um povoado vizinho (ou seria realmente num acampamento dos romanos?).

Peguei uma biga; os cavalos estavam muito desorientados; ficamos travados na lama; depois deslizamos tão facilmente no chão molhado que perdemos o controle e batemos numa árvore.

LISTA DE PROFISSÕES

que eu já pensei em seguir, e ainda penso em alguns momentos:

1. funcionária do metrô
2. cabeleireira
3. arquiteta
4. percussionista
5. funcionária de sala de cinema (como meu avô, que fazia um pouco de tudo: que ia pegar rolos de filme na distribuidora, rasgava o papelzinho na entrada, ficava na bilheteria, etc.)
6. cartunista da Folha (nada mais, nada menos)
7. ghost-writer
8. apresentadora de programa de viagem da tevê paga
9. jardineira

PARECE MESMO

que a minha memória é muito fraca.

Conversando com o Luís no telefone, ele começa a falar do começo do namoro. De alguns emails que a gente se escrevia, de coisas que eu tinha escrito. Não lembraria nada disso sozinha, se não fosse ele insistir e sair procurando esses emails, que não devem mais estar comigo, mas perdidos em algum hd que eu não uso mais, assim como alguns trabalhos da faculdade, da mesma época do começo do namoro, em 2003.

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Ele me mandou esse desenho que eu fiz. Era uns dos que eu fazia naquele tempo. Parece um clima meio Retalhos, que o Luís também terminou de ler dias atrás.

Alguns dos sonhos de hoje:

* O Gustavo não se chamava Gustavo. O nome verdadeiro, dos documentos, era Gott. O pai dele queria dar um nome bem alemão. No sonho não vimos isso, mas ao acordar fui atrás da palavra Gott e vi que signitica Deus em alemão.

* O ortodontista tinha mudado de método e de consultório. Ele tirava as borrachas do meu aparelho muito rapidamente, como se fosse um acrobata ou como um vampiro — haha será coisa que veio de eu ter assistido Crepúsculo ontem na tevê?

* Uns alunos largaram na sala de aula uns livros, me senti responsável em devolvê-los à biblioteca de onde eles tinham tirado. Ficava num centro cultural criacionista, o nome terminava em ista e tinha algo de religioso. Fica criacionista. Como várias ordens religiosas de diversas origens, essa ficava na Liberdade. Era um imenso ex-hospital, com alas numeradas, tipo 2SB-11H, a gente tinha que andar por alas enormes, onde ficavam aparelhos de tevê, lanchonetes, espaços para aulas, a biblioteca era grande e tinha livros que estavam fora de ordem. Tinha algumas histórias em quadrinhos do Astérix. Por Tutatis !

COM SONO, SEM PALAVRAS

e decidida de que ler na cama, antes de dormir, é algo difícil para mim. Difícil porque eu não consigo parar de ler até chegar ao fim do livro!

Foi o caso de Retalhos, de Craig Thompson, que eu peguei ontem para ler. Pensei, umas 20 páginas e eu durmo. Que nada! Não consegui parar de ler até o final. E imagine, são 582 páginas. Só depois das três da manhã eu consegui desligar a luminária e começar a dormir. Dos meus sonhos desta noite não lembro nada, talvez ainda na cabeça resquícios da história de Craig, que tão melodiosamente reúne traumas, tristezas, religião, desenhos queimados e um amor perdido. Lindo!

Impossível não pensar em outros quadrinhos autobiográficos excelentes como L’ascension du Haut Mal, Fun home ou Persépolis, que também abrem mão de uma profusão cores em nome do preto e branco – exceção leve a Fun home, que tem uma atmosfera azul claro.
O traço é trabalhado de maneiras muito simples, deixando ver às vezes o movimento da pena, o encadeamento das memórias de diversos momentos da infância e da adolescência faz mergulhar num universo muito próprio, repleto de medos e angústias, mas também muito típico – ao menos para mim… Um universo no qual muitas vezes não se sabe que fronteira há entre os sonhos e as memórias.

HOJE DURANTE

a maior parte do dia, as têmporas palpitando, o suor saindo por todos os poros do corpo, os ônibus queimando as costas, tanto o sol, como agora a noite, tão quentes um quanto a outra, o notebook fervendo sob minhas mãos e a lâmpada que me ilumina agora parecendo que vai me transformar em pipoca…

Certamente me lembro do episódio preferido de Tintim: A estrela misteriosa. Não pelas altas temperaturas noturnas, das cenas que abrem o livro (como o desenho animado): Tintim e Milou estão andando, observando as estrelas, quando percebem que até o asfalto está derretendo de tanto calor.


Na primeira página, o cidadão Tintim entra em contato com o observatório para saber que estrela tão brilhante lhe chamou a atenção… Mó calor e ele nem pra usar uma roupinha mais leve!

É um corpo celeste que cai na terra e vai parar no meio do oceano. Tintim, é claro, parte na expedição dos cientistas bonzinhos. Os americanos saem perdendo, em meio a umas referências anti-semitas aqui e ali.

A estrela misteriosa é um dos episódios mais elogiados de Tintim, a primeira incursão de Hergé na ficção científica.
Tintim é aquela coisa, cheio de coisas politicamente incorretas, ausência total de mulheres, com exceção da feia-pé-no-saco Castafiore, mas mesmo assim é simpático.