FAZER UM BALANÇO DE 2014

me pareceu uma boa ideia. Muita coisa aconteceu e é interessante organizar os fatos, para então traçar planos para o ano que está chegando.

De uma certa forma, esse balanço já começou no post anterior. No final de 2013 eu coloquei como meta procurar algum tratamento alternativo — para cuidar tanto do corpo como da mente. Como presentes de natal, comprei para mim “Comunicação não-violenta” (de Marshal Rosenberg), “Você é minha mãe?” (quadrinho da Alison Bechdel) e “Mulheres visíveis, mães invisíveis” (da Laura Gutman). Essas três leituras se relacionam entre si, não por acaso, com o momento que estava passando. Vale posts para cada um deles, brevemente.

Em fevereiro, Francisco completou seis meses e começou a comer, por blw, provando as primeiras frutas e legumes. Em paralelo, tirei da minha alimentação açúcar refinado, glúten e quase todos os laticínios. Acredito que, como consequência do tratamento, me dei conta de que estava bebendo água de maneira compulsiva. Só agora no final do ano relaciono a sede excessiva ao consumo do glúten. Os produtos com farinha me pesam no estômago e são difíceis de digerir — o que me dá dor de cabeça e sensação de boca seca. Essa é como meu corpo reage; cada pessoa assimila os alimentos à sua maneira.

O ano passou testando, pesquisando e provando alimentos novos, predominantemente de origem vegetal — mas sem aderir ao veganismo estrito. Na cozinha, preparei coisas que não deram tão certo, mas também delícias como um purê de inhame, temperado com shoyu e cebolinha (inspirei-me aqui).

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Crochê e tricô ficaram meio de lado. O tempo ficou mais curto.

Francisco mal engatinhava no começo do ano; viajou pela primeira vez com 11 meses; deu os primeiros passos sozinho aos 13 meses e agora aos 16 já fala suas primeiras palavrinhas: água, flor, túnel, mamãe, papai, nonna, vovó, cocô, inhame, não, tá bom, tó…

Tem umas semanas que passeamos com um triciclo. Até então, era somente sling ou colo. Ele está maior, mais pesado — mas, principalmente, quer novidade. E se diverte à beça com o triciclo. Quando cansa, vem pro sling.

Tudo flui, está em movimento — de janeiro pra cá, foram tantas pequenas mudanças e descobertas que não caberiam aqui. Termino este ano muito feliz, aceitando a vida com suas passagens, perdas e aprendizados.

O PARTO, COMO EU IMAGINAVA

seria na água. Gosto muito de água, acreditava que seria um bom meio de transição para x bebê. Assisti vários vídeos de partos em banheiras. Assegurei-me que poderia ter uma na casa de parto.

Também imaginava um trabalho de parto longo. Muitas contrações espaçadas; eu poderia dormir entre elas. Talvez durasse mais de um dia… estava pronta pra enfrentar uma maratona.

Levei umas garrafas de água de coco na mala. Queria tomar algo de gostoso e nutritivo durante o trabalho de parto; hidratar e dar um gostinho de coco àquele momento.

Pensava que iria chorar muito ao ver x bebê, assim como eu chorava lendo e vendo vídeos de parto.

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No fim das contas, Francisco nasceu na cama da sala de parto. Poderia ter sido de cócoras; mas na hora, improvisei ficar de quatro apoios — de acordo com o que sentia naquele momento. Nem foi possível cogitar a banheira porque chegamos na casa de parto com dilatação total e quase coroando. Tive contrações pouco espaçadas, não dormi. Foi muito rápido, tudo aconteceu em seis horas. Só comi uma banana durante esse tempo. A água de coco ficou lá esquecida na mala. Não chorei ao ver o Francisco; estava radiante de alegria. Fui chorar só dias depois, ao voltar pra casa e quando recebemos a certidão de nascimento.

Entre o planejado e a realidade, o mais importante foi ter-me preparado para o imprevisível.

EU BEBO ÁGUA

parece ser a coisa mais corriqueira desse mundo. Todo mundo bebe água. Água é fundamental para a vida. Nosso corpo é feito, em grande parte, de água. Praticamente impensável que beber água possa fazer mal. Mas pode, quando se torna excessivo. Pois esse foi o meu caso.

Pouca gente conhece esse tipo de compulsão. Ninguém vem te falar: “olha, você está bebendo água demais”. Alguém pode te comentar se fuma demais, se bebe demais. Muito sutil dar-se conta de que um hábito que é visto como positivo, saudável, possa ser perigoso.

Eu já conhecia. Amélie Nothomb, em Biographie de la faim, conta justamente a potomania, anorexia e bulimia que ela e sua irmã tiveram. Dias atrás, relembrei quase que instantaneamente do nome desse desejo por água: potomania.

Não sei se posso ser enquadrada num caso assim, é provável. De qualquer maneira, demorou muito mas percebi que a água é um problema para mim, uma dependência. Estava na minha frente há anos e anos. Era uma garrafinha de água. Devia ser aquelas de 300 ml. Depois mudou para aquelas de 500 ml. Como eram mais baratas, comecei a comprar garrafas de 1,5 l. Com o tempo, comecei a ter uma garrafa perto da cama, na mesa do computador. Até no banheiro cheguei a deixar uma delas, para o caso de eu ter sede. Praticamente em cada canto da casa. E não somente uma, mas duas, três. Garrafas vazias também.

Porque eu tinha sede. Bastante sede. Ainda tenho. A boca e a garganta secas. Era por isso que eu bebia, oras. Se tenho sede, devo beber água. Para me hidratar. Para as toxinas. Para a saúde. Para o bebê na barriga. Para ter leite.

Saindo de casa, eu precisava de uma garrafa por perto, ou de um bebedouro. Pesquisando aqui no blog mesmo, achei um post em que falo dessa coisa de ir encher a garrafinha no bebedouro. Precisava também de banheiros à disposição, regularmente.

Faz uns dias, comecei a ter tonturas, a visão embaralhada. A barriga pesada. Pensei que era algo que eu tinha comido. Tenho digestão difícil, lenta. Já sofri de gastrite no passado. Bebi água para ajudar. Fui dormir mal, me sentindo estufada.

A mesma situação retornou depois de uns cinco dias, mais forte. Eu tinha fome mas sentia que não tinha espaço na barriga. Comi iogurte, frutas. Precisava de água. Em menos de uma hora dei conta de um litro. Mas durante o dia foi muito mais, não sei quanto. 20 litros, talvez? Bem possível. Além da água pura, no almoço preparei sopa e no café da manhã tinha tomado suco de laranja. Nem consigo imaginar a quantidade de líquido que tinha ingerido.

Muita tontura e fraqueza o dia todo. Dormir à noite não conseguia. A barriga estufou, como se seu estivesse grávida, mais para cima. Vomitei bastante, água principalmente.

Quem já me alertava, muito carinhosamente, era o marido. Eu não dava importância, dizia que eu precisava. Levantava o argumento da sede. Nesse momento em que já não cabia mais água em mim, toda inchada, aceitei. Eu bebo água demais. Foi um grande passo.

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E vieram muitas e muitas ideias pela cabeça, junto àquela fraqueza. Antes de cair no sono, relembrei muitos fatos. Que já dez anos atrás, quando trabalhava em biblioteca, tinha uma garrafinha do lado do computador. Aquele hábito saudável. Um chefe me repreendeu um dia, dizendo: — Assim você acaba com os nossos galões de água! — Mas como era uma pessoa que sempre me fazia críticas infundadas, que me perseguia, eu não liguei.

Já dando aulas, lembro que durante o intervalo eu enchia e terminava já no mesmo instante com uma garrafa de 500ml; reabastecia com mais 500ml para ir tomando durante o curso. Hoje em dia, quando passeio, preciso sempre levar uma garrafa de 1,5 l. Se é longo, são duas. Fui associando momentos e hábitos. Em quase todos esses momentos, muito comum que eu bebesse água muito rápido e em grande quantidade. E que eu precisasse muito ir ao banheiro.

Inúmeras coisas passaram pela cabeça: sonhos, livros, filmes, desenhos, letras de músicas. Recordações as mais diversas.

Dormi e a partir daquele dia mudei um hábito. Em vez de beber água direto da garrafa, sem me dar conta se ingeria 200, 300 ou 500 ml, estou com uma xícara de chá. Não medi, mas deve ter uns 200ml no máximo. Coloco água ali e vou dando golinhos.

Sede? Ainda tenho, muita, sempre. Mas desde aquele momento lá, em que me dei conta, sinto a sede e espero. Espero. Tudo seco. Depois de um tempo essa sede passa, simplesmente, sem água nem nada, só esperando mesmo. Tendo paciência.

Pesei-me nesses dias, a cada manhã, ao acordar. No espaço de dois dias, em que descobri o excesso de água e o seguinte, foram 3kg a menos. Muito certamente era água que eu tinha acumulada no corpo, porque depois dessa perda meu peso se estabilizou.

Não sei a partir de quando o consumo de água tornou-se exagerado. Somente depois de sentir-me mal fui pesquisar: beber 6 litros ao dia e urinar 2,5l  é o máximo recomendado. Fico imaginando quantas vezes tive uma indigestão ou um cansaço devido o excesso de água no corpo. Vai saber o que posso ter feito mal a mim mesma, à minha saúde, fazendo algo que acreditava ser bom.

Como sabem pelo blog, estou amamentando. Imagine viver isso numa época em que se está nutrindo um bebê… Como muita coisa não é por acaso, eu devo essa descoberta à maternidade. Sou muito grata ao Marco e ao Francisco por me fazerem ver essa parte de mim que eu desconhecia, mesmo estando à minha frente, ao meu lado — há muitos anos, mesmo antes de conhecê-lo, de ter chegado entre nós. Lendo A maternidade e o encontro com a própria sombra, livro que eu indico fortemente a quem esteja esperando bebê ou já tenha crianças, pode-se entender mais do que estou falando (há uns trechos aqui).

Escrevo esse relato — que acredito terá seguimentos, outros posts virão sobre o tema — também como um alerta. Pelo que pesquisei, um consumo que supere 10 litros diários pode causar intoxicação. Um post aqui, e outro em francês, trata desse assunto de maneira simples. Ainda procurarei mais sobre o assunto.

Posso dizer que mudei, em alguns dias? Deve ser aquele sistema: um dia depois do outro, um dia de cada vez. Já comecei antes umas terapias, mês passado. Vou incluir essa variável entre os elementos a tratar. Escrever é muito terapêutico para mim, sempre foi. Ler também. E fazer crochê é uma grande diversão. Acima de tudo, mergulhar na vida com um bebê, com tudo de delicioso e duro que isso comporta, é o mais importante para mim agora. A delícia supera em muito, com a sensação de poder se renovar a cada dia.

CADERNOS DE INFÂNCIA

já tem um lugar especial nas lembranças que ligo às leituras. Juntamente com seu tom ao mesmo tempo único e comum a outros maravilhosos memorialistas (observo uma mesma vista embaçada que se volta ao tempo de criança no campo, o espaço da casa, a réstia de luz que também percorrem a Infância de Graciliano e A idade viril de Leiris, construídos em fragmentos, em pequenos seixos), vivi com ele ou por conta dele uma terrível sensação de desmaio hoje, no ônibus.

Norah falava sobre a cicatriz de seu dedo, perdi a pressão, tive que fechar o livro rapidamente. A tempo consegui me sentar, uma senhora de aparelho dentário me ofereceu água de coco, um moço me deu uma barra de cereais.

O aperto frente à narrativa das feridas de infância, tão presente em outros textos igualmente belos e hipnotizantes, me tocou no corpo dessa vez.

AQUELES DIAS

acabaram. É a notícia que se mostra no dia que começa, o sol fresco. A água de novo.

Acabou – alguém repete. Uma voz dentro. Mas só se sabe que aqueles dias acabaram porque eles ainda estão aqui, ao redor, em cada pedaço de tudo. Como no livro, “tudo está em tudo”. Se tudo está em tudo, “por que se preocupar?” – é o que ouvi e fui repetindo, a caminho do bebedouro, encher a minha garrafa.

Acabou, mas se repete.

DURANTE A PROJEÇÃO

de Viajo porque preciso, volto porque te amo, me veio o sonho que eu tive, talvez hoje mesmo, talvez poucos dias atrás. Eu já sabia, hoje de manhã me lembrei, que eu sonhei que era preciso regar as plantas. Eu regava, via a água entrar por meio da terra, os vasos transparentes me mostravam o caminho da água. Também sonhei com um banho de chuveiro que me desagradou. Muita água para me dizer que eu estava com a garganta muito seca, de respirar pela boca. O nariz entupido. Mas isso tudo não foi durante o filme.

Em meio às estradas do nordeste de Viajo…, me veio que eu sonhei com Bye Bye Brasil, que eu não assisti, ou se assisti não lembro.

Vi no filme o que posso estar vendo em outros lugares: um álbum, feito de recortes e vozes perdidas. Destoa quando o tom muda: quando a música não é mais do rádio do carro, quando a narração vira entrevista. E recortes de um diário, como preparação de outra coisa – dos filmes de Karim Aïnouz e de Marcelo Gomes. Preparação que vemos depois dos filmes que se seguiram essa viagem, essa coleta de imagens e visitação de um imaginário.

Na volta para casa fiquei puxando a história do meu sobrenome. E descobri que talvez ele tenha vindo do nada.