é ao mesmo tempo a personagem mais importante e a menos importante de todo o filme. Ela é um monte de suspeitas e perguntas que aparecem umas atrás das outras, sem resposta – ou com respostas bem menos ambiciosas que as expectativas. Ela é o pretexto para um passeio sem rumo de tarde, com previsão de chuva, de ônibus, cortando caminho pelo parque, de volta no fim do dia à estação de trem. Passeio cheio de olhares e de conversas sobre nada, depois do qual se volta ao ponto de início.
Foi o primeiro filme que eu vi do Rohmer, no cinema, anos atrás. Depois de rever agora, o passeio continuou assistindo Nadja à Paris, (documentário?) que não me agradou tanto quanto A mulher do aviador, mas traz muito dessa rede de pretextos que levam as pessoas de um ponto a outro da cidade.
de novo um título que me chama; os elefantes são obras de Dostoievski traduzidas do russo para o alemão por uma ucraniana, Swetlana Geir, hoje já velhinha, passando de um cômodo a outro da sua casa, nas tarefas de todo dia: cortar cebolas, alinhar as fibras da roupa com o ferro de passar, juntar a família, trabalhar com os textos. E o trabalho, do qual não se sai impune (e não se entra sem razão alguma), não se faz apenas sozinho.
E em dupla, como num jogo de tabuleiro, ela nos dá uma lição: em vez de olhar só para o texto, o nariz virado para o umbigo, os olhares se levantam para o outro, e assim o nariz respira o texto que emana do papel.
me atraiu logo pelo título. Sala com bem pouca gente para ver a proposta incomum: docu-ficção sobre um romance psicografado atribuído a Balzac, publicado em português e descoberto por acaso por um leitor cuidadoso. Tão “engajado”, como ele mesmo diz, que dedicou anos a pesquisar as referências da obra e fazer paralelos com os romances da Comédia humana, em particular com Pele de onagro, que aproxima da vida de Balzac.
E tanto aproxima que o personagem da história não é mais Rafael, mas Lirinha encarnando Balzac num filme mudo – e, além dele, todos os outros leitores-escritores-pastichadores e os pactos que fazemos quando queremos alcançar a teoria das nossas vontades.
que nos atravessam todo dia, nomes, sons, lembranças e notícias, pouco fica – e não haveria outro jeito. E o que fica, para mim, é o que consigo colocar numa narrativa, uma história mínima que seja, que prenda esse fio solto a outros fios: uma pessoa existe, veio de um lugar, é rodeada de outras pessoas, que se juntam num bairro, numa cidade. Das coisas que faz, preciso criar um sentido, mesmo que inventado.
Isso tudo, vai saber porquê, pensei pensando no documentário Dzi croquettes, que fui ver ontem. Ou talvez o porquê não seja tão difícil de encontrar: o ponto de vista duplo do filme (histórico e pessoal) resgata e inventa uma infância.
teve pré-estreia essa semana; uma fila longa saía por uma das portas do conjunto nacional. Nelas, tanto pessoas que acompanharam o festival como outras que, ainda não nascidas em 67, apenas sentem o peso da música daquela época – e reverenciam, também. Eis um dos grandes valores do documentário: fala de um evento de peso para a cultura brasileira; resgata a memória, remasteriza as imagens, reatualiza as discussões que foram ali levantadas. Por isso só, pelos nomes que elenca em seu pôster, o filme vale ser visto, pronto.
Mas saio da sala com uma sensação que também compartilho com a minha mãe, com quem fui ver o filme: a de que só se ouve os grandes nomes, de que tudo é festejado; só se guarda daquilo o que realmente merece ainda reverência. Por mais que Caetano e Chico dêem hoje pouca importância ao festival em si, dizem “não sentir saudade daquela época” (acho sinceramente que os entrevistadores não precisavam perguntar coisa assim para Chico e Caetano, mas enfim), nem se lembram mais de cor as músicas que apresentaram. Mesmo com as revelações cruzadas que vão aparecendo nas entrevistas e que fazem rir tanto o público quanto quem está no filme. São pontos de equilíbrio, talvez, mas que continuam nas vozes dos próprios atores (e ainda assim, de alguns atores), o que não permite muita crítica ou muita abertura, mas volta e consolidação do passado. Pouco revolucionário ao tratar de uma “revolução”.
também visto agora em janeiro, assim como “Cidadão Boilesen”. Penso que ambos mereciam ser tratados juntos, pelas suas semelhanças como no que se distinguem, mas já escrevi sobre Boilesen em separado.
“Crítico” também é um trabalho de anos de pesquisa e coleta de material, também dirigido por alguém que manteve trabalhos e projetos paralelos ao documentário – Kleber Mendonça Filho, que além de realizador é crítico.
Não sendo as únicas ocupações de seus realizadores (o que não é negativo), os dois documentários se mostram como frutos de esforço e de uma grande vontade de mostrar (ou mesmo de contruir?) o objeto de suas preocupações. Em “Boilesen”, o que ainda não investigamos suficientemente sobre a nossa própria história; em “Crítico”, perguntar a quem faz cinema e quem escreve sobre cinema o que é falar sobre cinema.
Kleber fez algo muito mais simples do que Litewsky: pegou os aparelhos que estavam à mão e foi aproveitando as oportunidades que apareceram; soube recolher o que estava à disposição, o que estava ao seu alcance. Ao menos é o que parece. Daí, dessa aparente pouca ambição, ele consegue falar com todo mundo – algo que à sua maneira também aconteceu em “Boilesen”. Kleber fala com diretores e críticos de jornal das mais diferentes origens e orientações… Consegue juntar os produtores dos irmãos Farelly e Aki Kaurismaki (a “entrevista” das mais sintéticas e poderosas), de Carlos Saura a Samuel L. Jackson. De todos parece ter conseguido confiança: os relatos são todos simples e sinceros, como conversas entre companheiros de trabalho, ou entre amigos, recortados, organizados tematicamente, entremeados por imagens mudas em movimento (disponíveis em domínio público): o cinema no que teria de mais técnico (ou algo tão técnico quanto a realização e a crítica?) – o fenômeno físico que conseguimos captar com nossos olhos, a mecânica dos corpos e das máquinas.
O final reserva uma pergunta que ia me fazendo ao longo do filme: onde está o Kleber, falando também, como os outros, sobre o que faz, ele tanto crítico como realizador? A rápida participação de Rodrigo Santoro traz a pergunta – algo como “onde está você?” – e a deixa em aberto.
Eu, como me dedico também a um trabalho crítico, mas concentrado em literatura, sempre me faço perguntas como essa (“onde está o pesquisador?”), tanto no que escrevo como no que leio dos outros. A presença do sujeito no que faz, no caso dos filmes, já disse isso em outro lugar (e essa ideia não é minha), está nos nomes próprios, que nos filmes vão se desenrolando nos créditos – e são bem mais numerosos do que num livro, por exemplo. A autoria é um trabalho dissolvido em mais de um indivíduo.
Nesse sentido, que documentário mais autoral do que “Crítico”, feito por Kleber e poucos parceiros, com poucos recursos e ao longo de anos de trabalho – mas que ao mesmo tempo reúne 70 vozes de horizontes diferentes?
Fora tudo isso, vejo que faltou pensar na crítica de cinema feita na academia e mesmo no público, na crítica não profissional. Quanto à relação entre a formação de cineastas na universidade, eu me pergunto, não sei: há uma formação universitária para críticos de cinema? Aconteceria o contrário de um curso de Letras, que visa, entre outras coisas, formar críticos literários mas não forma necessariamente escritores? Inevitavelmente pensei como seria instigante pensar num documentário sobre crítica literária…
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pensei ontem que uma das coisas que fazem a vida valer a pena, para mim, é contar e ouvir histórias.
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acho que não sou uma pessoa organizada, mas que gostaria de ser; quase sempre estou arrumando meu arquivo (aqueles cinzas de escritório), as estantes, os armários; não dou conta! jogo fora quilos de papel, para a reciclagem…
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consegui vender bem rapidinho um livro na estante virtual; achava que ia ficar lá por anos, mas dá certo! fica a dica.
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quem frequenta os cinemas da região da Paulista já deve ter visto um senhorzinho de bengala, gordinho e de cabelos brancos, foi ao festival de filmes de surf e ao noitão do hsbc; é alguém com quem vale a pena conversar enquanto o filme não começa.
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última vez que conversei com ele foi segunda passada, me deu dicas de como sobreviver ao mestrado, falou da letras durante a guerra com o mackenzie em 1968; imagina o que era estudar russo naquela época, com a ditadura começando a pegar pesado.
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a gente foi ver o documentário dos titãs na segunda, fiquei feliz e ao mesmo triste (o que já falei deles aqui explica porque feliz e triste)
– o tempo passa…