EU TINHA CABELOS GRISALHOS

num sonho desses últimos dias. Muito acinzentados, com alguns fios brancos. Bonitos, com um corte assimétrico, do jeito que eu gosto. Estavam volumosos também. Eu me sentia bem e feliz.

Basicamente era um sonho comigo velha.

Normalmente a velhice, sobretudo a feminina, é encarada como negativa. É algo a se evitar, lamentar. Esconde-se as marcas do tempo. É deselegante revelar a idade de uma senhora. Os cabelos brancos assustam e são coloridos com tintura.

Faz uns anos que me apareceram uns fios brancos. Nada fiz. Eles estão aí, ainda difíceis de ver entre o cabelo mais escuro. Aos poucos vão chegando outros. Minha intenção é mantê-los, sem tingir. Mas vai saber se mudo de ideia…

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Gosto da ideia de envelhecer — acumular tempo e experiências, sentir as mudanças, reconhecer as repetições. Deixar de lado o passado quando estiver obstruindo a estrada. Caminhar de braços dados pela calçada, devagarinho, com paciência. Agradecer ao corpo, as linhas das mãos, a sola dos pés, as pálpebras… o dentro e o fora em seu contínuo movimento.

DUAS MULHERES

uma delas era minha mãe; ela me contava que foi ao salão de cabeleireiro. Estava ajudando um travesti; ele recebe uma ligação telefônica, precisa correr porque marcou um encontro. Ele se arruma com pressa, ao som de uma música que ele mesmo também dubla, em algo que vira um vídeo que circula pela internet.

Outra, em vez de me mandar um texto que precisava, prepara uma grande refeição, deliciosa. Tudo pensado para o meu gosto culinário, bolinhos de massa de legumes, doce e salgado, peixe. E para terminar o sonho, uma cuia de cuscuz marroquino cheia de pimenta biquinho, um gosto inigualável. Enchia colheres de caldo vermelho que se misturava ao amarelo da sêmola.

ESTAVA NO KOWEIT

(com essa grafia mesmo, por mais que pessoalmente eu prefira Kuwait). Um guia me acompanhava, um senhor muito alto e magro, vestido com roupas típicas, de cor roxa. Simpático, explicava como tudo funcionava. Eu andava com um xale nas mãos, e perguntei a ele se eu devia cobrir minha cabeça, meus cabelos, como as outras mulheres. Ele me respondeu que não precisava, mas me deu uma razão prática para se cobrir: eu não precisaria me preocupar com o visual do meu cabelo, se estava bem cortado ou penteado. E as estampas dos lenços e xales são sempre mais bonitas que os cabelos… – não lembro o que fiz com esses argumentos.

Continuamos andando e vimos à direita uma mesquita, que alguém chamou de ‘igreja’ e eu corrigi. Logo ao lado, uma grande tenda, onde pessoas comemoravam um casamento, dançando em círculo. E, ainda pertinho, um supermercado, onde tranquilamente as pessoas faziam suas compras, ouvindo os sons da festa de casamento.

FUI CORTAR O CABELO

e toda vez que vou, por ir tão raramente, é um dia escolhido, depois de muita espera. Dessa vez, o cabeleireiro não lavou, nem borrifou; foi cortando a seco, muito mais Edward-mãos-de-tesoura do que já poderia ter sido. Deu medo a tesoura acertar minha cabeça, me cortar. O resultado nunca é plenamente satisfatório nos primeiros momentos. Na rua parece que todos estão olhando pra mim. Cheguei na livraria passando mal, quase desmaiando. Precisei sentar.

Lembrei de outra vez que cortei os cabelos a seco, de pé. Devia ter uns 10 anos, o salão envelhecido, amarelado, de uma senhora da Martim Francisco. Também quase desmaiei durante o corte, pressão baixa, as mãos formigando, e a cabeleireira nem percebeu, eu quietinha esperando terminar. Chegando em casa, daquela vez, uma mecha enorme. Voltei lá para ela acertar e não fomos mais cortar o cabelo ali, naquele salão que talvez nem exista mais.

UM CABELEIREIRO CHINÊS

ficava numa casa amarelecida pelo tempo. Velhinho, contava com um assistente, que mais parecia seu chefe. Era um moço loiro, que pouco entendia de corte mas sabia administrar o negócio do chinês, sentado num balcão.
Fui cortar o cabelo com esse chinês. Não queria cortar o cabelo, quero deixar crescer, quero que ele fique bem longo. Eu estava lá mais para ouvir algum conselho desse velho sábio, que com poucas passadas de tesoura conseguia mudar a vida das pessoas.
Ele cortou meu cabelo seco, e ele parecia crespo, assim como ele era quando eu tinha uns 12 anos. Esse sonho me lembrou um corte de cabelo, num salão na rua Martim Francisco, que nem deve mais existir. A velha senhora cortou meu cabelo seco também. Sabe-se lá porque eu não estava sentada, mas de pé. Tive uma tontura, uma queda de pressão, quase ia desmaiar mas aguentei até o final. Meu cabelo ficou horrível, todo despontado. Minha mãe reclamou e nunca mais voltamos lá.
No sonho, o mestre chinês falou sobre a minha boca e a minha respiração.
Queria 38 reais pelo corte, eu tentei negociar, mas o moço loiro não deixava que se pagasse menos que isso.
Eu acabei abandonando o salão do velho chinês antes que o corte terminasse.