UM ANO ATRÁS

exatamente, 28 de janeiro de 2009, eu falava de mexer nas coisas guardadas, aproveitar o tempo mais livre de janeiro para rever tudo, organizar, jogar fora.

E hoje também a tarde foi da mesma coisa. Nada mudou? Prefiro pensar que estou jogando mais coisas fora do que antes, ou sabendo guardar.

O que não muda: o fato de que há coisas completamente apagadas, que eu só recupero porque tenho um papel: um tíquete de entrada, um catálogo, um cartão de visitas, um cartão postal, uma anotação em folha de caderno arrancada, um marcador de páginas.

Aproveitei e reli o diário que fiz em 2005 quando fui para a França. Também coisas que tinha esquecido junto com as coisas de sempre: anotações de sonho, desenhos, falar sobre a distância que eu construo ao redor das pessoas, falar sobre escrever.

Esse papel aqui: nenhuma ideia de onde veio, nojento e incompreensível. Isso me lembrou outro papel desconhecido, nojento e incompreensível também, que caiu na minha mochila quando fomos à Curitiba, Karen e eu; se nunca escrevemos sobre essa história, vale um dia escrever.

NÃO SALVAR, PERDER

para sempre?

Muitas vezes fico pensando nas coisas feitas no computador que foram perdidas, seja por falta de backup, seja simplesmente por não ter guardado, não ter feito um arquivo – ou, mais grave, porque o arquivo foi salvo, o backup foi feito, mas em disquete, ou num cd que não funciona mais. Isso faz pensar que ao menos no papel é mais fácil guardar e não perder. Que quanto mais avançados os suportes de armazenamento, menos eficazes eles serão, e menos perenes.

O instinto de guardar os trabalhos para a faculdade é mais evidente. O que dizer de páginas da internet, blogs, conversas no icq, participações em fóruns?

Ao menos para as páginas públicas na internet há um recurso de ouro: o Internet Archive Wayback Machine, parte do grande site feito por uma organização sem fins lucrativos que reúne também arquivos de áudio, vídeo e trabalha em parceria com a Biblioteca do Congresso e o projeto Gutenberg.

Às vezes me esqueço da existência dele, e fico lamentando os blogs perdidos. O Luís, simples, me lembrou do Wayback (ele é quem me apresentou?) faz alguns dias. Corri para lá e recuperei duas jóias de 2003.

A primeira: “o porquê do quintal”, blog autobiográfico do Sérgio, que eu lia com encantamento, esse Sérgio que na época era alguém já querido mas que escondia ou se fazia ver por meio de bichos, trechos de livros, letras de música, falas de filmes e histórias sinceras.

As coisas mudam e continuam as mesmas. Na época eu fazia também uma pequena autobiografia, para uma disciplina da faculdade; me ajudou muito ler o que o Sérgio escrevia, embora hoje o que me tinha sobrado não era o conteúdo em si de suas lembranças, mas o ar de infância que é o dele. Isso é coisa para continuar em outro post.

A outra é “cinebase”, projeto paralelo do grande blog sobre rádio, radiobase. O Marcos Lauro tinha me convidado para participar do cinebase escrevendo sobre filmes, coletando notícias. Eu sempre salvei todos os meses meu colher, mas o cinebase deixei de lado, não tinha salvo nada. Foi surpresa que li minhas críticas de filmes ótimos daqueles meses de abril a julho de 2003: Chihiro, Confissões de uma mente perigosa, A festa nunca termina, etc. Eu até assumi um certo ar de “crítica jornalístca”, colocando números, relacionando atores aos seus trabalhos anteriores, etc.

Achei tão legal me confrontar com esse eu-lá-de-anos-atrás que eu vou republicar alguns dos textos, seguidos da imagem que tenho hoje. É uma idéia.

GRANDES ESPAÇOS

são constantes nos meus sonhos. Grandes e lindos, eles muitas vezes se movem.

Foi o caso de um sonho muito bonito, semana passada. Estava no apê do Cícero. Era e não era onde ele mora. A questão é que da janela víamos prédios se moverem, como se estivéssemos num trem. Ficamos com vontade de passear e conhecer um desses prédios raros e belos.

Era um mosteiro, algo assim. Estava correndo o risco de ser demolido, mas felizmente conseguiram recuperar a construção. Transformaram num spa, num hotel. Há duas alas, com rampas – algo semelhante pode ser visto em Higienópolis, bem menorzinho do que no sonho.

Uma ala para homens, outra para mulheres. Entramos na ala dos homens, eu invadindo território que não poderia. Tudo cheio de cores azuis e rosa em vários tons. Uma antiga capela continuava no lugar, diferente: nela a gente escorregava no chão, como num tobogã. Quem fez a capela assim? Queria ler o que estava escrito nas paredes e não conseguia.

Me escondendo, vi em outra sala uns homens dentro de banheiras, dormindo.

ERA UMA GUERRA

eu fazia parte do exército, soldado raso com arma na mão.

Uma operação noturna estava programada. Um chefe nos conduziria a um lugar a ser invadido. Os inimigos estariam por perto. Todos de preto como num Counter strike (ou como eu imagino que deveria ser um counter strike).

A chefe nos tranquiliza dizendo que será fácil, nossas armas possuem mira automática. Isso quer dizer que elas já estavam pré-programadas para acertar o alvo, pouco importava a direção em que eu apontava, e eu era meio inexperiente nessa coisa de guerra, a arma traçaria uma reta (por dois pontos passa uma única reta) com laser.

E eu vi o laser da minha arma se mexendo mesmo, fixo no alvo. E justo no alvo, todos os lasers de todos os soldados convergiam. Uau.

Ficamos à espera do comando. O problema é que um soldado inimigo se aproximava, eu o via, mas não podia sinalizar porque estava escuro; não podia falar pq estava silêncio. O soldado se deu conta da minha presença e facinho me matou com um tiro. Operação fracassada.

Morri, o sangue esfriava no meu peito. Ainda assim pude dizer que aquela arma era uma besteira.

DO MESMO JEITO

que ela uma vez achou num texto meu um pouco de si, eu vi num poema seu tudo o que eu posso dizer sobre o que está acontecendo.

Poema parco

E o que se tornará
Além dessa ânsia de abismo
Dessa certeza de ar
Desse chão que evapora?

Seu efeito
Tenho certeza em abismo
Palavra em desmembramento de significante
O concreto não delineado, chão a evaporar
Mas quero por algum motivo
Essa textura de nuvem, esse movimento
Premeditado, essa conversa muda

vanessa soares de paiva, s/d.

Além disso:

– sonhei que era uma bandida num bairro como o Ipiranga, mistura de centros velhos de cidades diferentes, casas coloridas, gangues. Uma feira de livros, eu via a coleção da Perspectiva – e conseguia ler o que estava nas capas! Tinha ao menos os clássicos, O teatro épico de Anatol Rosenfeld e o Personagem de ficção – leituras do primeiro ano de letras. As capas eram antigas, amareladas, mesmo o laranja tinha muito de amarelo. Um senhor desdentado no meio da rua puxa briga comigo, tira a peixeira, eu tiro uma faca também e começa a luta, interrompida pelo despertador.

– há mais, mas a chuva é muita, mas eu preciso dormir.

DEVENDO UM POST

faz mais de um ano, para o Luís.
Com o surgimento recente de alheios alhures, pensei que seria o momento de concretizar. Mas pensando bem, melhor não lá, mas aqui mesmo.

Tudo pode começar assim. O Luís lembrou da capa de um disco do Angra, que era parecido com um fichário que o Lair tinha, quando eles estudavam juntos. Tanto o fichário como a capa do disco tem uma rosa-dos-ventos, como nos mapas antigos, amarelados não sabemos se pela passagem do tempo ou se o papel já tinha aquela cor na época das grandes navegações.

Fichário e capa: ambos se ligam ao relógio da promoção da parmalat. Ambos, Luís e eu, na época distantes como de Jabaquara a Santa Cecília, escolhemos justamente o relógio de rosa-dos-ventos quando terminamos de juntar os 100 selinhos de leite. Era de longe a melhor das opções.

O Luís deve ter reconhecido o relógio numa foto minha.
Como todo relógio gracinha, como os swatchs, eles quebram depois de um tempo. A caixa, de plástico, não resiste e não há muito conserto que dure. Tanto é que eu tenho uns relógios guardados que não servem hoje a não ser para guardar memória.

Além disso, pensar mais e mais em mapas me leva também a me perguntar sobre as cores que o google maps usa para as estradas dos países na europa. Por que são verdinhas na Grã-Bretanha, ficam laranja na Bélgica, Países Baixos, Alemanha e França, depois mais vermelhinhas na Itália, Suíça? Tem mais bosques na Alemanha? Por que na Escandinávia os terrenos são cinza?

Decisão: esse post vai virar uma série. Eis o final do primeiro episódio.

CHEGAR MAIS PERTO

indo longe.

É como eu estou tentando definir “Berkeley em Bellagio”, que li hoje. Pode ser por conta de tantas outras coisas acontecendo e que estou lendo, o livro me pegou. O resto do dia (comecei o livro umas 10h, no metrô Santana, peguei a linha verde e descobri a recém-terminada estação Sacomã, com plataforma protegida por portas de vidro, como a linha 14 em Paris; dei voltas na linha verde, desci na estação Brigadeiro, por lá terminei e voltei para casa com as primeiras gotas da chuva muito forte) fui andar ao redor de escritas que o Noll me trouxe.
A Vanessa, que estuda justamente ele (como foi mesmo que começamos a nos falar? será que eu mandei o cartão postal pra ela?…); o Barthes, pensei muito em Incidentes e Noites de Paris, que justamente terminei de ler hoje também; essa busca desesperada por afeto.

Mas também a outras: as fotos que precisavam ser melhor organizadas, essa coisa de estação do metrô abrindo e o preço do transporte subindo, as chuvas cada vez mais fortes, o terremoto do Haiti e Dany Laferrière está lá, escrever emails como se fossem cartas, os textos e as pessoas que estão nos meus textos.

E mesmo ao caderninho azul.

AS MENINAS PODIAM

ser bonecas.
Era um brinquedo que transformava, durante a brincadeira, a menina que brincava no brinquedo que ela tinha nas mãos.
Mas acho que isso só acontecia com as crianças, eu era adulta como sou e ficava só observando o quarto da Luiza se transformar num castelo, e ela numa bailarina de plástico.
A bailarina, para ficar de pé, tinha suportes transparentes. Cada um dos suportes permitia um movimento de dança diferente. Ela podia saltar para um dos lados, ou girar em torno de si mesma.
Só achei que num dado momento a Luzia ficou meio triste de ser boneca, de ser o brinquedo e de não poder nem escolher direito que suporte usar.
De toda forma, o castelo era cheio de personagens bem diferentes e com personalidades todas cômicas.