15 DE OUTUBRO, DIA DOS PROFESSORES

e, principalmente, das professoras (visto que, via de regra, essa atividade é associada ao mundo feminino) — por conta disso, veio a ideia de escrever algo, mesmo que simples, sobre escolas, aulas, lousas, aprender…

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No começo, não gostava nada de ir ao prezinho. Essa é a memória que tenho. Chorava, reclamava, não comia na hora do almoço ou na merenda. Tinha uma amiga, o nome dela era Marcela.

Mas da pré-escola tenho poucas lembranças, começando pelo fato de que aos seis anos já tinha aprendido a ler e escrever, então decidiram que eu deveria ir direto para o ensino fundamental. Assim, construí poucos vínculos no pré, diferente do que observei com minha irmã e irmão.

A primeira escola que frequentei ficava em Pinheiros, a Alfredo Bresser. Dia desses encontrei uma moça que também estudou lá. O livro de alfabetização era da Editora Ática, com folhas de papel jornal. O visual era lindíssimo, simples, com boas ilustrações. Eu folheava mil e mil vezes aquelas páginas com as primeiras sílabas. O final trazia o som do encontro consonantal -ns, com a história do menino Constantino. Era aniversário dele: — Todos diziam: Parabéns, Constantino!

Só que eu fiquei apenas um mês ou dois no Alfredo Bresser. Mudamos para a Santa Cecília. Nenhuma escola tinha vaga para mim. Então fiquei uns meses em casa, folheando o livro sozinha e aprendendo com a cartilha.

Em agosto, entrei para o Fidelino. Fiquei pulando entre uma sala e outra, não sabiam onde me encaixar. Por isso mesmo, talvez eu também não soubesse onde me encaixar. O ambiente parecia muito selvagem. Crianças pequenas, no recreio, junto com os adolescentes do colegial. Muita gritaria. Um menino puxou meu saco de moedinhas, que tinha levado para comprar algum lanche. Caíram no chão, as crianças pegaram tudo. O mesmo menino (ou outro?) sujou meu macacão amarelo com catarro. Dureza.

Aí fui descobrindo minha maneira de sobreviver a esse ambiente estranho. No meio dos livros, prestando atenção à professora, fazendo-lhe perguntas, respondendo o que ela queria, tirando boas notas. Tentando fazê-las felizes, elas que tantas vezes eram vistas como bruxas, gritando e ameaçando as crianças. Outra mulher que dava medo era dona Lourdes, a porteira, que controlava quem entrava e quem saía. Anos e anos depois de se aposentar, dona Lourdes voltou a trabalhar no Fidelino — eu já era grande e aquela senhora me parecia outra pessoa.

Havia também as diretoras e coordenadoras, símbolos máximos da autoridade. Mas o centro de tudo eram realmente quem dava as aulas, professoras e professores. Cada um tinha sua personalidade, sua figura, seus trejeitos. A partir do ginasial, quando cada professor/a cuida de sua matéria, tudo ganha mais dinamismo. Mas também a gente vai aprendendo que cada uma daquelas pessoas em frente à lousa tem seus problemas e seus defeitos.

Tornei-me professora meio de surpresa, de uma hora para a outra. Era algo que não estava em minha imaginação, mesmo que estivesse ali, latente, essa simpatia pelo trabalho de dar aulas. Eu aproveitava muito das minhas lembranças de aulas. Inspirava-me diretamente naquilo que eu gostava. Por exemplo: um professor que dizia “não sei” quando lhe faziam uma pergunta; dias depois, ele pesquisava e trazia a resposta. Ou começar a aula com um simples ritual: cumprimentar a todo mundo, perguntar “que dia é hoje?” e escrever a data na lousa.

Foram uns quatro anos preparando aulas. Agora, volto a ser aluna, novamente. Esperando, quem sabe, que eu volte ao outro lado da sala…

UM RELATO SOBRE ALIMENTAÇÃO

ficou na pasta dos rascunhos durante uns seis meses; eu pensava em enviar para um outro blog, sobre alimentação para crianças, mas acabei decidindo por publicar aqui mesmo, já que venho falando sobre o assunto em vários outros posts (como esse aqui) — por isso, aí vai.

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não tenho na memória muitos momentos sobre ter sido ostensivamente forçada a comer. ainda assim, lembro que na pré-escola, na hora do almoço, me enfiaram goela abaixo uma mistura de arroz, feijão e ovo frito. eu chorava muito. sempre chorei bastante no prezinho, porque queria ficar em casa brincando com minha irmã e meu irmão, mais novos do que eu. filha mais velha, eu precisava ir logo para a escolinha, não podia ter colo e era grande demais para entrar no carrossel.
 
quando meu irmão nasceu, eu já tinha três anos e largado a fralda. mas quis fralda de novo, para ser igual a ele.
 
fazendo essa relação, também me recusava a comer como gente grande. meus primos comiam de tudo, eram até gordinhos. um exemplo para mim! mas eu era magrinha e ficava sempre doente.
 
uma coisa eu gostava de comer: doces! uma vez um tio me deu um saco cheio de balas, pirulitos, chicletes de todo tipo. comi tudo numa tarde só. tive diarréia, vomitei, passei muito mal.
 
já grandinha, minha diversão era sair da escola e passar na loja de doces, que vendia balas por quilo. escolhia com carinho as balas, pensava num roteiro: começo com a bala de banana, depois a bala de hortelã, em seguida a bala de morango, etc. etc. caminhava até em casa durante uma meia hora, com o saquinho de papel na mão. quantos gramas de bala eu teria chupado? 100, 200? por quantos dias eu segui esse ritual, dentre tantos outros rituais com a comida que criava na minha rotina?
 
outra coisa que eu comia sem dificuldade era gema de ovo frito. somente a gema! a clara me dava nojo. aí me mostraram a gemada. gema crua, muito açúcar. eita! depois que eu criei gosto pela coisa, me disseram que poderia colocar nescau junto. leite também fica gostoso. enfim, pouco tempo depois lá estava eu comendo massa de bolo cru.
 
doentinha e magra, minha mãe se preocupava comigo. descobriram uma receita milagrosa para dar apetite: biotônico fontoura com ovo de pata e leite condensado. uma colherada cheia logo pela manhã.
 
meu apetite virou uma coisa monstruosa. eu brigava e gritava com meus pais se eles não me dessem quatro esfihas de queijo. quatro esfihas, nem mais nem menos! no café da manhã eu comia dois pães franceses. recheava o pão com biscoito maria e geleia de morango.
 
de magrinha, tornei-me uma pré-adolescente obesa. tive que começar a usar roupas de adulto, porque os tamanhos infantis eram pequenos demais para mim.
 
eu sabia que era gordinha, mas compensava minhas energias no estudo. era uma aluna exemplar, 10 em todas as matérias. fui a melhor aluna da quinta série, premiada e tudo. adorava ir a concerto de música clássica, frequentava várias bibliotecas, assistia os documentários da tevê cultura.
 
mas também era uma menina muito agressiva em casa, com a família. gritava muito, quebrava coisas, chorava. ficava doente com muita facilidade: sinusite, conjuntivite, hepatite, escarlatina, rinite alérgica… também tive diversas distensões e luxações nos dedos das mãos.
 
para encurtar a história, estou até hoje revendo e reaprendendo a comer. minha família agiu da maneira que pôde, preocupada com a minha saúde, dando conta de todos os conflitos ao redor. mas ainda sou uma pessoa com imunidade fraca e digestão difícil. a idade vai pesando e os efeitos vão ficando mais aparentes. fui aprendendo meio na marra que preciso, com meu esforço, abandonar os doces que tanto fizeram parte da minha vida.
 
evito ao máximo açúcar e farinha de trigo. dificilmente consigo me controlar se há um pedaço de chocolate por perto. por isso, guloseimas pouco entram em casa.
 
tenho um filho pequeno. busco dar a melhor alimentação a ele. todo dia vou atrás de informações novas, receitas saudáveis, alternativas naturais. e espero permitir a ele uma relação mais leve com a comida.

LIMPAR O PRÓPRIO BUMBUM

foi a experiência que me marcou a entrada na pré-escola. Antes, em casa, sempre que eu precisava fazer cocô, chamava mamãe ou vovó. Elas me ajudavam a me limpar, eu tentando mas sem confiança de executar a tarefa.

Lembro que nas primeiras vezes em que aconteceu de fazer cocô no prezinho, eu me dirigia ao banheiro sozinha. Quando precisava da ajuda, gritava: — Tia, vem me limpar!

Talvez uma ou duas vezes a professora veio ao meu encontro. Só não recordo se ela me disse que aquilo normalmente não se faz — que na escola cada criança deve cuidar de si mesma para usar o papel higiênico no banheiro.

Enfim, passados os primeiros momentos de auxílio, aconteceu que eu fui evacuar e, como das outras vezes, chamei pela tia. Gritei uma vez, duas, três. Até que eu me dei conta, pela ausência, de que eu deveria em encarregar da minha própria limpeza. E assim foi.

INDO PRA ESCOLA

eu não gostava de chegar antes de o portão abrir; me desagradava a possibilidade de ficar parada no meio dos colegas, separada do restante, sem ter com quem falar. Então eu descia do ônibus uns dois pontos antes, na esquina com a Veridiana, e ia o resto do caminho a pé. Era o tempo exato para a entrada.

Ainda faço isso em algumas situações; pego o caminho mais longo, desço antes, invento um trajeto alternativo para chegar na hora – nem antes nem depois.

UM PEIXE GRANDE

daqueles de olhos esbugalhados e barbatanas longas mordeu meu dedo. Não sei se foi assim que o pescamos. Colocamos num balde, e ele ficou nadando na vertical. Balde pequeno.

Saí correndo pela Martim Francisco procurando uma loja onde pudesse encontrar um balde maior. Passei em frente ao Fidelino, na porta estavam as mesmas pessoas da época em que estudei. Pensava em Peixe grande, do Tim Burton.

Com custo arranjei outro balde, transparente. O peixe tinha diminuído, estava laranja, mas no balde novo cresceu, escureceu e começou a falar comigo.

Acordando com o despertador vi que esse sonho tem tudo a ver com Ponyo!

TUDO É FEITO

de átomos, fomos informados numa aula de ciências. Já tinha visto na tevê: eram bolinhas que giravam umas em torno das outras.

Esses pedacinhos de tudo se mexiam, mesmo nas coisas mais sólidas que existem, eles estão lá, não param. E como poderíamos ser formados por algo que tem tantos espaços vazios?

Eu ficava pensando se poderíamos esfarelar como uma paçoca, se os átomos todos resolvessem se mexer de um jeito diferente, de repente.

MINHA MÃE DISSE

que ia buscar a gente no fim do dia. Era no pré. Mas ela não garantiu inteiramente: daí veio o problema. Ela disse que se não chegasse exatamente no horário da saída, a gente deveria pegar a perua e ir embora pra casa. Será que eu não ouvi, não entendi, ou queria que ela fosse nos buscar custe o que custasse?

A questão é que ficamos, os três, sentados por muito tempo esperando. Eu dizia que ela iria chegar a qualquer momento. E não chegava, muito tempo passou e nada. As funcionárias da escola precisaram ligar pra casa e avisar que estávamos lá, olhando o movimento da rua, aguardando que alguém entre os passantes da avenida Pedroso de Morais fosse ela.

FAZIA UM ESTÁGIO

numa escola pública; começo do ano letivo. O secretário da educação estava na sala de aula, distribuindo cadernos aos alunos. Ele autografava cada caderno, junto com uma mensagem e uma foto sua. A ideia era motivar os alunos… como estagiária, eu fazia a distribuição aos adolescentes, com zombaria discreta.

Uns quatro alunos chegam atrasados. Como castigo, eles devem deixar os documentos conosco, e teriam o nome anotado no livro negro. Não eram brasileiros: tinham carteiras de identidade estrangeiras, passaporte, rne. Um deles começa a falar japonês conosco, sorridente (estaria ele tirando uma com a nossa cara?). Aponta para uma televisão que está atrás de nós, ao lado da lousa. Estava passando um episódio das tartarugas ninja. Mas elas estavam velhas e muito gordas, quase irreconhecíveis.

ME AGRADAVA REPETIR

coisas pequenas no dia a dia: sentar-me sempre no mesmo lugar da mesa para comer, usar a mesma colher para mexer o chá mate, comer o mesmo lanche no recreio, no mesmo lugar do pátio; manter fixas na semana as datas de devolução dos livros na biblioteca; numa mesma ordem pentear o cabelo, escovar os dentes  e tomar banho; organizar na mochila os livros e cadernos para cima, os livros atrás, cadernos à frente; as cores os lápis e canetas no estojo; tomar o metrô no mesmo vagão, escolher, se livre, o mesmo banco.

Ainda continuam certas coisas assim, que percebo se elas mudaram de lugar.