NÃO REPARE A BAGUNÇA

é aquela frase recorrente quando se recebe visita. Eu a tenho repetido a mim mesma, muitas vezes, ao ver o estado em que a casa se encontra desde que o Francisco nasceu.

É uma junção de fatores: com um bebê, há menos tempo para dar conta de todas as tarefas da casa. Prioriza-se: frequentemente eu prefiro aproveitar o sono do Francisco para tirar um cochilo também. Assim eu posso recarregar a bateria e até mesmo encarar as mamadas noturnas numa boa. Aí acontece de acumular louça, roupa, outras pequenas pendências.

Acrescente-se o fato de que o Francisco, faz um tempinho, movimenta-se livremente pelos cômodos do apê, abre armários e gavetas, tira coisas do lugar, espalha brinquedos aqui e ali.

Há quem decida trancar os móveis da casa, a fim de proteger a criança e os objetos guardados. Nós optamos por deixar tudo aberto. Mudamos algumas coisas para prateleiras que o Francisco não alcance. O resto está à sua disposição e curiosidade.

Teve a fase de tirar todas as meias e cuecas das gavetas. Depois deixou de ser novidade e ele partiu para explorar algum outro cantinho.

Importante é não deixá-lo desacompanhado. Sempre de olho, com ele brincando por perto. Se estou cozinhando, é melhor que ele fique entretido no armário com as tigelas e potes de plástico.

E sobretudo é fundamental não encanar com a bagunça, vê-la pelo lado positivo, como sinal de atividade, movimento. Um trecho de “Mulheres visíveis, mães invisíveis” (p. 123) ficou na memória: exigir demais de mim mesma e dxs outrxs é um desperdício de energia.

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Em outras palavras, tenho me dedicado ao exercício cotidiano de amar os pratos sujos na pia, as roupas desorganizadas e o chão empoeirado — como marcas da vida e do crescimento de uma casa.

UMA PARTE DA CASA

 

que estava em demolição resiste na rua Paim, ao lado do estande de vendas de um prédio novo; enquanto não é derrubada, nesse resto de casa se organizam mudanças para o norte e o nordeste.

alguns outros capítulos das mudanças da Paim: 23 de maio de 2010, 9 de dezembro de 2010, 28 de janeiro de 2010, 17 de março de 2011, 20 de março de 2011, …

MEDUSA

da Annie Lennox, foi o primeiro CD que compramos em casa, junto com o aparelho. Era um lançamento na época; No more i love you’s era trilha de novela? Ainda hoje ouvimos muito: agrada a todos.

Os covers do disco foram escritos por homens – isso poderia explicar o título, Medusa. Mesmo que no clipe de Why (do disco anterior) ela esteja mais próxima de uma Medusa, montada e colorida, o encarte cinza, em que ela aparece com os cabelos curtos de costume e o nome escrito à máquina de escrever na testa também intriga. Os cabelos em forma de serpente viraram letras e, tão cheia de cores antes, a Medusa agora toma o tom de pedra.

CHEGOU UM DIA

de arrumar tudo: então abrimos os armários, separamos livros, trocamos de lugar algumas coisas na casa. Na bagunça, os vinis iam sozinhos para o toca-discos, a música começava – um susto! Tudo bem, os discos de vinil são assim mesmo, sabem tocar sozinhos. Fui lavar as mãos e a torneira era ao mesmo tempo uma cafeteira e uma máquina de costura. Só era preciso ter cuidado para não levar uma agulhada.

Bem que essa poderia ser a casa de Zazie, pensei eu.
Ou o apartamento de “Vinil verde“.

DENTRO

de dois apartamentos vizinhos, que vão se transformando, os personagens circulam. Tetos e paredes caem, a água infiltra; um fogão explode; entram ladrões; descobrem onde ficam os quartos escondidos, onde a comida é guardada; chegam em momentos inadequados, sem avisar; a polícia chega.

Mas todos vão embora no final; e ficamos nós no apartamento, ouvindo os passos de alguém do outro lado.

EM CASA PENSAVAM

que eu ia me tornar arquiteta, engenheira; isso porque adorava as plantas de imóveis que saiam no jornal. Pegava os anúncios ilustrados e brincava com eles horas a fio. Ficava olhando a organização do espaço, áreas comuns, fosso para o elevador. Desenhava plantas também, dos lugares onde eu queria morar. Ainda me lembram isso, a família.

Hoje olho para as plantas dos imóveis em lançamento: quartos e banheiros cada vez menores, sacadas onde só se pode colocar o ar-condicionado… – elas me sufocam. Mesmo assim ainda guardo a imagem de uma casa onde eu possa brincar.

MAIS DEMOLIÇÕES

na rua Paim: duas casas e um galpão, vazio faz muitos anos.

As duas casas reuniam muitos moradores. Essa com pastilhas coloridas tinha uma lojinha de aparelhos eletrônicos, locadora de DVD e venda de pamonha (até uma época foi aberta ali uma loja de produtos de milho). Da casinha branca ao lado só está de pé a fachada. Já o galpão tem um estilo que destoa de qualquer outra construção da rua.