TÃO LOGO CHEGAMOS NA CASA DE PARTO [relato de parto, 3/3]

a parteira fez o exame de toque e surpresa: dilatação total! inacreditável, eu achava. Mas já? Eu queria entrar na banheira, cantar músicas, até dormir entre uma contração e outra, como tantas outras mulheres contam que fizeram. Que nada! Tudo o que eu tinha que fazer era pressão a cada contração. 

Imagine, o Marco nem tinha descarregado ainda a mala do carro. Quando ele volta já escuta a parteira chamando o resto da equipe: – Vem gente, vai nascer agora!

Escolhi ficar de quatro, nas contrações arqueava as costas (uma postura da ioga, eita como foram boas aquelas aulas). Deu sede, me trouxeram água, que eu tomava de canudinho. Ainda bem que logo de cara a parteira percebeu que não precisava de cardiotoco e me tirou aquela coisa da barriga que me poderia tirar a concentração.

Foram talvez quatro contrações, entre elas pude colocar a mão na região do períneo e sentir a cabeça do bebê prestes a sair. Segurava fortíssimo as mãos do Marco e ali eu realmente senti o que chamam de círculo de fogo. Eu gritava muito, com todas as minhas forças, dizia ao Marco: – tá queimando! Sentia também todo o corpo do bebê querendo sair, as mãos e os pés se mexendo ainda lá dentro, algo sem igual.

Entre uma contração e outra olhei pro lado e vi aqueles instrumentos cirúrgicos, me bateu o medo de as parteiras me fazerem uma episiotomia; gritei: — o que vocês vão fazer comigo?! Elas: — nada, é só fazer força, vai! Marco foi do outro lado ver o bebê nascer. Tão logo saiu, apenas apoiaram-no e  colocaram abaixo de mim, deitado na cama. Era uma coisa linda, de olhos bem grandes, braços abertos, suspirando e choramingando calminho, sob o sol amarelo que entrava pela janela.

Depois de olhar nos olhos daquela coisinha linda e pequena, que viveu dentro de mim até aquele momento, olhei pra baixo e vi: — Marco, é um menino!

Peguei-o nos braços, deitei na cama,  pequenino, molhado, com sangue. Fiz esse movimento com cuidado, pois o cordão umbilical era curto. Com o cordão já branco e vazio (isto é, depois que todo o sangue passou da placenta para o corpinho do bebê), o Marco fez o corte. Abraçava-o, aproximei-o do seio para tentar mamar. Não tinha leite ainda, nem colostro, ele não sugou tanto, mesmo assim foi um momento importante, a parteira instruiu como dar de mamar. A placenta saiu logo depois. Pudemos ver aquela outra metade do bebê, que o alimentou aquele tempo todo. Perdi bastante sangue, disseram as parteiras, mas não tive feridas grandes, somente um cortezinho perto do canal da uretra, coisa que não precisou de pontos… ufa! Algo que ajudou muito nisso foram as massagens no períneo, feitas  a partir da 34a semana da gestação. Altamente recomendável.

Assim Francisco nasceu — 14 de agosto de 2013, às 9h42 da manhã, com 2,5kg e 46 cm, depois de um trabalho de parto rápido e surpreendente! Foi lindo!

único registro fotográfico do parto; uma mãe muito feliz, um pai chorando de emoção e um filho vendo a luz do sol pela primeira vez
único registro fotográfico do parto: uma mãe muito feliz, um pai fotografando chorando de emoção e um filho vendo a luz do sol pela primeira vez

Mas todos esses dados — hora, peso, altura — só soubemos depois. Isso porque todas saíram da sala, somente nós três ficamos lá, nos conhecendo: uma hora juntos, a sós, Marco, Francisco e eu. Aos poucos a equipe voltou. Subi pro quarto, estava tremendo, morrendo de frio. Me enchi de roupas e deitei. Soube também que o Francisco estava com a temperatura corporal baixa, mas de resto estava tudo bem; apgar 9/10/10 e tudo em ordem.

O resto do dia dormimos muito, ele começou a mamar (falar sobre a amamentação rende longos textos!) e recebemos as primeiras visitas da família. Ficamos na casa de parto de quarta até sábado, quando voltamos pra casa.

*

Contando essa história a um amigo, ele logo perguntou: — você enfrentaria tudo isso tudo de novo, toda aquela dor? — É claro que sim! Não mudaria nada nessa história, nem mesmo se eu pudesse!

Entre a montanha russa, a escalada de uma montanha ou a maratona de que falavam, com que imagem fiquei da minha experiência? Pensei muito e ainda não sei dizer. É um pouco de tudo isso, e ao mesmo tempo diferente, que foge a qualquer comparação. Só sei que foi algo surpreendente, pela relativa rapidez (eu achava que iria durar horas e horas, ou até mais de um dia! menos de dez minutos depois de termos chegado na casa de parto, Francisco nasceu). Foi uma experiência que me deu muita força e coragem para viver todo o resto, ser mãe, acompanhar junto com o Marco o crescimento do Francisco. Algo, sobretudo, construído juntos, com muito amor e uma enorme felicidade de ter dado ao nosso filho um nascimento que respeitou o seu tempo, que respeitou o meu corpo e o seu corpo, os meus desejos e instintos. Que esse respeito e esse amor sejam o combustível, a luz e o calor para a nossa vida juntos, para a vida toda do Francisco.

*

Tantos clichês rodeiam a mulher grávida. Assim como há uma imagem arquetípica da mulher que oprime as mulheres reais, existe a mulher grávida arquetípica: aquela mulherzinha fragilizada com as mãos nas ancas e de pernas abertas, acima do peso, comendo tudo o que vê pela frente, com desejos de comidas estranhas, sob o poder de hormônios incontroláveis, correndo muitos riscos, com problemas de saúde aqui e ali. Sempre me percebi muito frágil: já fraturei tantos ossos, tive tantas alergias e problemas respiratórios, não consigo nem correr até a esquina. Mesmo antes de engravidar, tinha aqueles medos clássicos da gravidez: medo de hemorróidas, das varizes estourarem… enfim, medo de não dar conta. E não é que nada disso me aconteceu? Viajei, caminhei, subi escadarias, enfrentei frio e calor, fiz tudo o que meu corpo permitiu.

No começo da gravidez, li um texto da Ana Cristina Duarte que me tocou muito. Muito bem escrito, com uma postura aberta e sincera, mostrava a realidade de tantos nascimentos, controlados pelo relógio, pelos custos, pela manipulação e submissão do corpo da mulher. Disse a mim mesma: — não quero isso para mim, nem para o bebê.

Meses depois, consegui o que desejava; deixei medos e mitos de lado, disse muitos “nãos”, enfrentei médicos que me desacreditavam, fui contra o que pensava tanta gente ao redor, tomamos o Marco e eu a responsabilidade para nós e superamos uma história que infelizmente ainda se repete em tantas partes do mundo.

Nesse percurso de leituras e investigações, de pequenas lutas a cada dia, aprendi muito sobre mim mesma. Sou forte, posso —  bem aquela imagem da operária mostrando o muque e dizendo com o olhar implacável: we can do it! Descobri uma força que todas temos dentro de nós mas que muitas vezes vive calada. É essa coisa tão linda que eu desejo a todas as grávidas, a todos os bebês.

Não quero nunca esquecer a carinha do Francisco da primeira vez que o vi, seus olhinhos, o cheiro, o amor que a cada dia só cresce.
agradeço a  Jamila e Gabryelle; mesmo à distância, e de maneira bem sutil, elas me deram pequenas pistas que tive prazer em trilhar; obrigada a elas e a todas as pessoas com quem cruzamos nesses caminhos

ASSIM QUE CHEGAMOS EM CASA [relato de parto, 2/3]

deitei-me na cama com uma compressa quente na barriga, recomendação da parteira. O Marco trocava a compressa tão logo ela esfriava. Eu deveria dormir, mas quem disse que conseguia? As contrações continuavam constantes, a cada 3 minutos. Iam ficando mais fortes. Para suportar, deitada, eu mexia as pernas, vocalizava a dor. Não sei depois de quanto tempo resolvi levantar e me movimentar.

As contrações pareciam ondas do mar; dava pra avistar quando estavam pra chegar, vinham fortes, depois novamente recuavam. A cada uma delas eu pensava em um pouco de tudo: em mim, no bebê ali dentro, na minha família, nas informações com que tive contato. Muita gente diz que o parto é um momento do irracional, do inconsciente. Até tinha receio de estar “consciente” demais, mas era como eu me sentia no momento! De toda forma sentia uma imensa alegria também do bebê estar a caminho de seu nascimento!

Aqui cabe listar coisas que me ajudaram muito durante o trabalho de parto:

  • vocalizar a dor; quando sentia a contração, soltava um aaaaaa; algumas vezes um eeeee; ou então dizia logo: veeeeeem bebê!
  • relaxar o maxilar e o pescoço, pra não concentrar a tensão nessa parte do corpo; para quem já sofreu com bruxismo isso é essencial
  • andar, balançar o quadril, mudar de posição sempre: pernas abertas de pé, de cócoras, de quatro, de acordo com a vontade na hora; algumas delas eram posições que praticava nas aulas de ioga para gestantes, maravilhosas!
  • deixar as janelas todas fechadas (estava amanhecendo), as luzes apagadas quase ao máximo
  • abraçar e beijar muito o marido!
  • e talvez o mais importante: ter passado boa parte do trabalho de parto em casa. O parto domiciliar tem inúmeras vantagens: a pessoa se encontra no lugar que mais conhece, no qual se sente mais confortável e segura. Tive minhas razões para escolher a casa de parto, sobre isso falarei em outro texto. De toda forma, foi ótimo a parteira ter dito para eu voltar pra casa; no fim das contas, passamos grande parte do trabalho de parto em casa.

Dias antes do parto eu li uma lista valiosíssima com algumas dicas  — e não é que seguimos grande parte delas?

Dá pra perceber como tudo se conecta: as musculaturas do corpo relaxadas, a vocalização, beijar… e sentir-se bem, sem olhares de desconhecidos, sem exames de toque desnecessários, sem aquela luz branca de hospital, sem o cardiotoco amarrado na barriga dando o sinal dos batimentos do bebê e que te limita os movimentos, sem a possibilidade de ficarem oferecendo remédios, anestesias e indutores…

Podem argumentar que o hospital dá segurança. Pois para mim me deu segurança justamente não estar num hospital: será que eu conseguiria gritar à vontade numa sala de hospital? será que me deixariam livre pra me mexer como quisesse? e os abraços no marido seriam tão fortes?

E sobre as tais dores do parto, acredito que tudo depende da forma como a encaramos: não estava sofrendo, mas passando pelos momentos finais da gestação; sentia que x bebê estava prontinhx para nascer — quer sensação mais animadora do que essa?!

No começo da gestação, uma moça, que teve seus dois filhos por cesárea, arregalou os olhos quando eu disse que não queria anestesia nem qualquer intervenção no parto: “impossível! as dores são fortes demais; você é muito corajosa”… pois corajosa acho quem enfrenta hospital, correndo o risco de passar por algum tipo de violência obstétrica, que pode acontecer de tantas formas.

ovonovo_aaaaVoltando ao relato: deu fome, comi uma banana mas logo depois vomitei tudo (a primeira vez que vomitei durante toda a gravidez). Evacuei também; é o corpo se limpando, liberando-se de tudo, pensei. Tomei outro banho — e que gostoso o contato com a água! Saindo da ducha, as contrações vinham fortíssimas. Aí veio aquela famosa sensação que parece vontade de fazer cocô, mas não é porque já tinha feito… Eis que bate a dúvida: será a cabeça do bebê já querendo sair?! E nós aqui em casa!

Com toda a calma, entre os minutos que separavam uma contração da outra eu me preparava pra sair de novo. Durante as contrações eu realmente me entregava, gritava, me jogava no chão, fazia o que o corpo pedia. Eram mais ou menos 9h da manhã. Nem deu pra perceber o tempo que passou, ainda mais porque realmente com todas as janelas fechadas não se sentia a luz do sol dentro do apartamento.

Agora imagine se eu tivesse tomado o remédio que a parteira tanto insistiu em me dar. Estaria talvez dormindo, sedada, durante toda a manhã. Como teria transcorrido todo o trabalho de parto? Pois não foi melhor ter deixado tudo rolar naturalmente, sem (des)acelerar o ritmo do meu corpo e do bebê?

Não conseguia nem me sentar no carro, porque sentia a cabeça do bebê prestes a sair! As contrações vinham, eu me segurava, agora dizendo: — pera um pouquinho bebê! espera chegarmos na casa de parto!

DURANTE A GRAVIDEZ [relato de parto, 1/3]


eu me deparei com várias imagens para descrever o parto. Seria como andar de montanha russa, depois de uma longa espera na fila. Ou então, seria como escalar uma montanha: é preciso muita energia e paciência. Como uma maratona, demanda preparação física e concentração.

Muita gente falava em ondas, como as do mar. Em outros relatos, falava-se em círculo de fogo. E mesmo em perda de consciência — que também pode levar o nome de partolândia… Foi somando essas e outras imagens, em tantos relatos e vídeos de parto que acompanhei ao longo da gestação, que fui me preparando. É por isso que acho necessário escrever o meu próprio relato, para informar e inspirar outras pessoas, sejam futuras mães e pais, sejam quaisquer outras pessoas.

onda_do_mar

Terça, 13 de agosto, fiz o que fazia normalmente nos dias anteriores: li, escrevi, ouvi música, tirei fotos do barrigão, saí pra passear, fizemos compras no supermercado. Fomos dormir. Acordei quando a bolsa se rompeu, pelas 3h30 da manhã: — Marco, a água! E justamente ele sonhava, naquele exato momento, com a bolsa estourando!

(parêntese: é algo curioso, pode ser somente uma coincidência, mas esse horário da madrugada, entre 3h e 4h era o momento em que sempre me batia uma fome, acordava e ia pra cozinha comer alguma coisa. É também o horário em que o Francisco se despertava e pedia leite nos primeiros meses.)

Tomei um banho; saía um pouco mais de água e sangue. Não percebi nada que pudesse se assemelhar ao tampão. Sob o chuveiro pensava: – nossa, mas agora é que tudo começa? é assim? já? A data provável era 20 de agosto, dali uma semana. Uma amiga havia sonhado que o nascimento era dia 16. Será que vai demorar mais de um dia o trabalho de parto? Dia 14 era justamente dia de mudança de lua, de lua nova para crescente; dizem que é propício a nascimentos…

Bem lentamente, sem qualquer stress, fui preparando as coisas pra irmos à casa de parto, que fica a uns 15 minutos de casa. A mala não estava totalmente pronta. E mesmo dentro do carro me dava conta de algumas coisas que tinha esquecido…

(aqui eu me lembro da calma super inspiradora de Erykah Badu, ao contar como se preparou para o parto de um de seus filhos; agradeço muito ao Cícero por ter me enviado esse vídeo)

As contrações vinham a cada 2-3 minutos, eram rapidinhas. Não sentia tanta dor — ou melhor, não sabia dizer o quão forte eram.

Chegando lá, a parteira de plantão me examinou e disse que o melhor seria voltar pra casa, tinha pouca dilatação e ela não sabia dizer se tinha acontecido uma ruptura grande da bolsa — ela apostava que tinha sido pouco, eu realmente não sabia dizer. Um primeiro parto pode durar muitas e muitas horas, isso eu já sabia. Por isso ela me recomenda tomar um remédio pra dormir. Eu muito raramente tomo remédio — e nunca tomei remédio pra dormir. Fico indecisa. Mas algo dentro de mim diz: — não! não tome remédio!

Ouvindo essa voz interior, recusei o remédio; a parteira insistiu algumas vezes, mas me mantive firme. Ela argumentava que eu precisaria de força pra encarar o trabalho de parto, que o melhor naquele momento era dormir para esperar contrações mais fortes.

Voltando pra casa umas 5h da manhã, me batia também a dúvida: será mesmo que era melhor tomar aquele remédio? Como seriam as próximas horas? Deveríamos retornar à casa de parto umas 10h30, para um novo controle.