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400 POSTS
aqui no ovonovo. Este aqui é o número 400. Vi o número no painel de administração do blog e achei que seria a ocasião para escrever a respeito.
Abri o primeiro blog, o colher, entre 2001 e 2002, bem no comecinho. Foi uma ferramenta maravilhosa para quem queria escrever despreocupadamente, sem precisar aprender a fundo a linguagem de construção de sites — o velho html. Alguns amigxs também foram abrindo seus blogs. A gente ia comentando, animadamente, os posts uns dxs outrxs, fazendo piadas internas. Surgiam visitantes que iam se habituando à turma. Era como se cada blog fosse uma sala de visitas — decorada de acordo com o gosto dx anfitriã-ão, onde se conversava, ouvia-se uma música, comentava-se um livro ou filme… Era um pouco do que hoje cumprem em parte as redes sociais.
Participei pouco de blogs coletivos, mesmo tendo simpatia pela ideia eles não tiveram grande fôlego. O mais bonito deles foi o breve alheios alhures.
Houve períodos em que eu escrevia febrilmente, todos os dias. Era uma espécie de disciplina que me coloquei a mim. Manter a regularidade me ajudou muito. Como um esporte que depende de prática constante, a escrita diária me mantinha em forma para juntar palavras, formular ideias, fazer conexões. Pela escrita consigo enxergar melhor a mim mesma. Em outras palavras, escrever é uma necessidade dramática.
Teve momentos em que decidi fazer uma pausa. Precisava dessa distância. Um blog aberto é lido por inúmeras pessoas, conhecidas ou não. Esse tipo de audiência anônima me agrada e até me estimula, mas há momentos em que é melhor o silêncio.
Mesmo assim amo falar e escrever, isso faz parte da minha natureza e nada melhor do que cultivar esse meu gosto. Sinto-me feliz de transmitir o que vou aprendendo, vendo e sentindo vida afora. Releio os posts passados, recordo, reflito. Amo igualmente descobrir e acompanhar outros blogs, seja de culinária, vida materna ou astrologia. Sou do tipo que comenta pouco… talvez precisaria participar mais nos textos de outras pessoas, assim como participar de projetos coletivos de escrita. Ficam essas perspectivas nesse marco de hoje, 400, esse belo número.
ESCREVER SONHOS
tornou-se um hábito logo nos primeiros meses de escrita no blog. Antes, que eu me lembre, talvez não fossem assunto tão recorrente dos meus diários e agendas. O interessante era contar aos amigos os sonhos que tive com eles. Tinha também sonhos com cenas de cinema, com o Almodóvar cortando meu cabelo, por exemplo, que também era engraçado passar adiante.
Fui muito inspirada pelo filme “Waking life”. Amava escutar a trilha sonora, da Tosca Tango Orchestra, enquanto estudava ou preparava aulas.
O cartunista francês David B. me influenciava também. Seu livro “Le cheval blême” era uma seleta de pesadelos que eu li repetidas vezes.
Tinha uma fascinação pelos surrealistas: Breton, Éluard, Aragon, a patota toda. Morria de medo da cena do “Cão andaluz”, em que se cortava um olho — era um olho de boi, e não de uma moça, mesmo assim dava agonia.
Também criava uma suposta relação dos surrealistas com Mário Peixoto e seu “Limite”. Eu tinha ganhado um VHS do filme e um livro com o manuscrito do roteiro.
Nunca fiz psicoterapia ou análise e li praticamente nada de Freud ou Jung. Fui empiricamente juntando referências e colecionando relatos de sonho, como por hobby, diversão — do mesmo jeito que escrevia sobre literatura, cinema ou música.
Faz uns anos fui me dando conta das mensagens que os sonhos me passam. Há temas e tipos de sonho mais recorrentes. Alguns deles antecipam o que há de vir. Tenho ainda muito o que aprender com eles. Basta me deixar levar, estar atenta ao que neles acontece. E escrever!
SEIS ANOS ATRÁS
encontrei, seguidas vezes, um velhinho no cinema — uma vez no belas artes, depois no antigo unibanco; até no ponto de ônibus na frente do MIS, voltando para casa (já escrevi sobre ele rapidamente, naquela época).
Ele vestia camisa e paletó, apoiava o corpo pesado com uma bengala. Movimentava-se lento e não sem alguma dificuldade. A fala era pausada.
Conversamos essas vezes. Ele comentava um pouco de tudo: a melhor cor de roupa para proteger-se dos raios solares era azul marinho, por exemplo. No MIS ele foi acompanhar o festival de filmes de surf, o que nos pareceu bem inusitado para o gosto de um senhor idoso.
Sobretudo, falamos de literatura. Ele tinha feito Letras como eu, na FFLCH. Disse a ele que estava começando a fazer o mestrado. Recebi dele uma das dicas mais valiosas:
— Escreva todos os dias; um pouquinho que seja. Pratique a escrita como se pratica um esporte. Assim vai ser mais fácil enfrentar o processo de construir a dissertação.
Com isso em mente, voltei a escrever com mais regularidade, sobre coisas corriqueiras, sonhos, filmes, livros, músicas. Seis anos atrás abri o ovonovo, este blog aqui, deixando o colher, que também me acompanhou tanto tempo. Tanto num blog como no outro, há fases de pausa, como momentos de atividade intensa.
essa era a carinha do colher no começo
Releio os posts e me surpreendo, me redescubro. Me deparo com verdadeiros lembretes que escrevi para mim mesma no futuro.
São inúmeros os pequenos encontros nesse caminhar da vida: volto o olhar para trás muito grata e feliz por todos eles; por terem me trazido aqui e agora.
UM ANO ATRÁS, EM DEZEMBRO
estava rascunhando o relato de parto; o texto ia crescendo e ficou tão longo que o dividi em partes; elaborei uma série de posts; escolhi dia 21 de dezembro para começar a publicá-los no blog; reiniciaria, assim, a escrever nele, depois de um bom tempo parado.
O Francisco estava começando a se virar deitado; fazia uns sons gostosos, risadas e gritinho agudos; salivava muito; levava os dedos à boca, tanto os dele como os nossos; estranhava as pessoas; teve seu primeiro resfriadinho, que sarou com difusor de óleo essencial de eucalipto, peito, carinho e mais nada; dormia no meu colo enquanto eu fazia uma colcha de crochê ou lia algum livro; as cólicas dos três meses já tinham cessado; passamos pela consulta dos quatro meses, a partir da qual decidimos mudar de pediatra; pequeno, eu passeava com ele amarradinho no sling wrap, sentindo o corpo dele junto ao meu.
Lá pelos dias de natal e ano novo, disse ao Marco: – preciso de ajuda; uma terapia, tratamento, alguma coisa. 2014 começou meio duro. Era como se eu tivesse perdido as chaves mas estava procurando no lugar errado; o mundo me parecia áspero demais… Meus pés doíam e a cabeça pesava. Precisava de alguma mudança.
Fui atrás. Encontrei livros e pessoas. Essas pessoas e livros me levaram a encontrar outras pessoas e outros livros. Sem elas, não sei o que teria sido deste ano. Sou muito grata pelos encontros e trocas, dentre as quais conto com a atividade do blog. Definitivamente, faz parte da minha terapia — um “cuidar de mim”, um meio de pensar o que vivo, de transmitir e receber coisas boas. Que bom.
A PARTIR DE AGOSTO
vou mudar a frequência dos posts aqui: passo a uma vez por semana, em vez de duas, como tenho feito até agora.
A razão: quero me dedicar a outras atividades. Gosto muito de escrever. Voltar ao blog tem me feito bem. Ajuda a pensar na minha vida, nos rumos que percorri, no que virá pela frente.
Algumas pessoas me escreveram, dando um retorno positivo sobre meus posts. Contribuir para a vida das pessoas também me faz feliz.
O blog demanda uma disciplina: organizo os temas, preparo algumas modestas ilustrações, planejo no calendário a publicação — um trabalho editorial em miniatura. Outra coisa que eu curto.
Na rotina de mãe, trabalhar no blog é uma gostosa ocupação. Mas também preciso dar espaço a outras coisas: leituras, crochê, fazer um curso, uma atividade física… assuntos que poderão entrar no blog em breve.
21 DE DEZEMBRO
é dia do solstício, quando temos o dia mais longo no hemisfério sul, a noite mais longa no norte; quando o verão ou o inverno começam. É um dia, portanto, de passagem.
21 de dezembro de 2012 era o dia, alguns diziam, que os maias haviam previsto para o “fim do mundo” — ou pelo menos como o marco para o começo de novos tempos; era o ponto final do calendário maia. Ao que tudo indica, o mundo não acabou. No meu caso, esse foi um dia que sinalizou o começo de uma nova vida.
Logo cedinho, umas 5 ou 6 da manhã, fiz o teste de gravidez que havia comprado na farmácia na noite anterior. O resultado: positivo! Não poderia haver surpresa maior que essa. Meses antes, um ginecologista disse que eu poderia ter dificuldades para engravidar, por conta dos ciclos irregulares.
Mesmo antes de confirmar com a ginecologista (fui procurar outra médica para acompanhar a gravidez), já comecei a fazer algo que virou praticamente minha rotina de grávida: estudar, descobrir mais sobre esse mundo que eu ainda desconhecia. Comecei a visitar sites, entrar em contato com pessoas que poderiam me ajudar, buscar livros, filmes…
Tanta coisa nova aconteceu desde então: planos foram mudados; projetos foram deixados de lado; abrimos espaço em casa; rearranjamos muita coisa. Mas, principalmente, aprendemos muito.
O tempo da gravidez foi vivido com todos os seus altos e baixos: muita náusea e cansaço no início, o corpo e as sensações cada dia novas, a sensibilidade diferente, o humor que tantas vezes oscilava, um pouco de insônia… Aproveitei também para dormir muito, viajar e ver filmes. Fiz aulas de ioga para gestantes que me ajudaram bastante durante o parto.
Desde que o Francisco nasceu, incontáveis coisas se passaram num curto espaço de tempo… é toda uma outra vivência do tempo, quando se tem um bebê por perto. Vez ou outra, aproveitando uma brechinha de tempo, esboço o relato do parto. Foi uma experiência sem igual, que vale a pena ser compartilhada — até porque a leitura de tantos relatos, durante a gravidez, me esclareceram e inspiraram. Mas, escrevendo, percebi que apenas um contar como foi o parto não bastava. É um texto razoavelmente longo — e ainda tanta coisa fica faltando contar!
Percebi que seria preciso escrever vários outros textos — longos ou curtos, que dessem conta da experiência da gravidez, do parto, da maternidade. Ficou claro então que o ideal seria retomar a escrita do blog e ir publicando posts, passando adiante o que temos aprendido. Nada melhor, fazer duas coisas que me deixam tão feliz: escrever e escrever sobre ser mãe!
No fim das contas, recomeçar o blog também significa voltar a temas que já faziam parte dele: cinema, desenhos, fotografia, crochê, música. Um pouco de tudo do que eu gosto.
EU QUERIA ESCREVER
achei que a hora tinha chegado; aí peguei umas fichas do meu pai, uma caneta esferográfica azul numa gaveta da cozinha. E comecei. Fui desenhando as letras que eu via: a marca da televisão, os rótulos das latas, caixas e garrafas, um aviso na rua, os letreiros todos que eu conseguia ver, no ponto do ônibus na Cardeal Arcoverde com a Lacerda Franco. Ali em frente tinha uma gráfica. Dali para onde estávamos indo? Não sei mais.
Enchi umas duas fichas de letras, que estão guardadas até hoje. Escrevia? Talvez hoje eu diria que para mim escrever é escrever com os outros, para os outros, a pedido de alguém.