“E O MEDO?”

muita gente já me perguntou, das maneiras mais variadas. É normal esperar que se sinta medo durante a gravidez e principalmente o parto. A dor, sobretudo, é o que mais assusta.

No começo da gravidez relembrei a célebre frase do Gênesis: “parirás teus filhos com dor”, algo assim. A dor seria então um castigo divino, equivalente ao suor do rosto, o trabalho árduo necessário à sobrevivência.

Dá medo de um castigo tão forte imposto a nós mulheres? Uma moça me disse, no começo da gravidez: “é impossível suportar as contrações; você vai pedir por anestesia!” Ela teve seus dois filhos por cesárea, eu nem quis argumentar; limitei-me a dizer: “eu prefiro parir sem anestesia”.

Sim, a minha ideia era sentir tudo. E felizmente foi o que eu vivi.

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Não lembro mais onde eu li que o contrário do medo é o amor. Dediquei-me a amar tudo com todas as minhas forças: amar a mim, meu corpo, o Marco, x bebê. Amar a água, a comida, o sol, a cama. Tentava irradiar de alegria. Fechar os olhos e ficar desejando o melhor para nós.

Muitas vezes se compara o parto com um passeio de montanha russa. Faz bem sentido: uma vez lá no alto, o melhor a fazer é se deixar levar. No caso das contrações, deixando o corpo livre, movimentando-se, gritando, abraçando alguém próximo.

Bem no momento em que o Francisco estava saindo, o que fiz foi segurar as mãos do Marco. Eu sentia o círculo de fogo, talvez o ponto mais forte do parto. Dias depois, me disse o Marco que eu apertei com tanto vigor que suas mãos doeram. Eu sou o tipo de pessoa que tem dificuldade pra abrir vidro de geleia. De onde tirei força pra esmagar as mãos do Marco?

A quem me pergunta sobre o medo, a dor e as sensações do parto, tento responder que cada pessoa vive à sua maneira essa experiência. E que podemos sempre nos surpreender com a força e a coragem que vive dentro da gente.

VOCÊ QUER AMAMENTAR?

— Sim; foi sempre essa a minha resposta.

Ao longo da gravidez, informei-me bastante sobre amamentação. De toda forma, sinto que ainda não sei o suficiente. E por mais que tivesse lido estudos e guias, relatos, visto vídeos, acompanhado grupos de discussão, só depois, na pele, fui perceber o quanto um ato fundamentalmente instintitvo (somos mamíferos, não é mesmo?), que faz tão bem à criança e à mãe, é cercado de tanta dificuldade.

Pois sim: amamentar é difícil — mas cada pedra no caminho não supera a beleza, a conexão e o amor que envolvem esse ato. É triste constatar que a delicadeza da relação entre mãe e bebê pode ser rompida tão facilmente. Basta um momento de insegurança em relação ao leite materno, ao sono e ao peso do bebê; basta uma indicação médica errônea; basta um olhar enviesado de algum membro da família ou amigos; basta uma prateleira no supermercado repleta de mamadeiras e leites artificiais, com rótulos gentis… Em suma, a falta de informação e de apoio — frente ao forte apelo das indústrias de alimento — rompe todo um processo natural e importante para mães e bebês.

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Nada se compara ao olhar do bebê ao mamar no peito — olhar profundo esse que é também da mãe, observando seu bebê. Ambos silenciosos, ambos alimentando-se um do outro.

De maneira bem sucinta: o recomendado é amamentar exclusivamente e em livre demanda até que o bebê atinja os seis meses de idade. A partir daí, o leite materno continua sendo a principal fonte de alimento do bebê até um ano, período em que vai começando a comer outros alimentos. O desmame deveria acontecer a partir dos dois anos, em acordo entre o bebê e a mãe.

Ao visitar amigos com filhos pequenos, vez ou outra, Marco e eu perguntamos sobre como foi a amamentação. A partir das experiências que ouvimos, é possível desenhar algumas situações em que o desmame acontece de maneira precoce.

A mais drástica: o bebê não amamenta desde o início ou desmama nos primeiros meses. Conversando com a podóloga, ela disse que era uma exceção quando criava seus filhos pequenos, 20 anos atrás, na Grécia. 9 entre 10 mulheres deixavam de amamentar o mais rápido possível, para que pudessem voltar a fumar. Já haviam interrompido o hábito durante a gravidez, o que parecia muito tempo… Era moda fumar, e não dar de mamar. Pode-se dizer que esse tipo de caso não acontece somente na Grécia, tampouco se limita àquela época.

De maneia mais frequente, a substituição do leite materno por artificial acontece aos 4 meses, momento em que a mãe volta ao trabalho. A licença-maternidade é curta demais para que ela dedique-se ao bebê. O leite artificial mostra-se mais “prático”. Outras pessoas da família podem dar a mamadeira ao bebê. Ele bebe uma quantidade definida. O leite artificial é mais pesado, o que faz com que ele durma ininterruptamente durante a noite. Mas não se mede os prejuízos que toda essa praticidade traz ao bebê, aos seus vínculos afetivos com a mãe, ao seu aparelho digestivo ainda imaturo, ao seu ritmo de sono… Mesmo mães que ficam em casa com os filhos acabam largando a amamentação por conta dessas aparentes vantagens — algo semelhante às mães gregas de que falei acima.

Uma mãe que conhecemos resolveu dar mamadeira com leite artificial à filha para que ela tivesse mais liberdade: ela queria voltar a sair de noite com as amigas, ir ao cinema. A bebê tinha por volta de 5 meses… O que aconteceu? Ela começou a rejeitar o peito, quando a mãe oferecia seu leite. Beber na mamadeira oferece menos dificuldade do que sugar o seio (o movimento de sucção dos bebês no peito favorece toda a musculatura bucal, auxilia a fonação e o processo de fala, que acontecerá no futuro). Perderam as duas, mãe e filha. A mãe entristeceu-se, pois não havia se informado sobre a confusão de bicos e que oferecer mamadeira (e outros bicos artificiais, como chupeta) pode colocar em risco a amamentação. Ela gostaria de ter prolongado aquele momento tão singular que tinha com sua bebezinha.

Outra amiga também entristeceu-se muito ao perceber que seu filho estava demonstrando cada vez mais interesse pela mamadeira. Ele desmamou quando tinha pouco mais de 6 meses. Ela não precisava voltar ao trabalho, não sentia necessidade de sair sem o filho. O que houve dessa vez? A preocupação com a fome do bebê. Ele sempre pedia para mamar. Ela decidiu então dar o leite artificial como complemento, pensando que seu leite não fosse o suficiente.

Esse é um dos mitos que mais circulam: que o leite materno não satisfaz e não dá conta das necessidades do bebê. Fico imaginando se uma mãe gorila, morcega ou capivara vacile quanto ao seu próprio leite. Arrisco dizer que só mães humanas desconfiam de suas capacidades. As razões são inúmeras, um post é pouco para tratar disso.

O Francisco pede muito o meu peito. Não é somente por fome no sentido estrito. É fome de calor do meu corpo, do conforto dos meus braços, do acalanto das batidas do meu coração; é vontade do meu cheiro, do meu toque, de estar juntinho o tempo que for. Por isso, como disse acima, amamentar é uma relação — amorosa, sobretudo. Numa amizade ou num namoro, conta-se quanto tempo dura uma conversa no bar, as ligações telefônicas, quantos beijos e abraços foram trocados? Por que devo então contar quantos mililitros de leite meu bebê ingere, durante quantos minutos ele fica no peito? Por que achamos um exagero um bebê querer ficar junto do corpo de sua mãe, dormir com ela?

E, para terminar o post (mas sem dar o assunto por encerrado): por que uma experiência tão singular para todos nós — afinal, todos um dia fomos bebês — é abreviada e frustrada em muitos casos? Que consequências isso traz para a nossa formação e crescimento?

“ESCUTE SEU CORAÇÃO”

foi o que uma terapeuta disse para mim, a respeito da criação de filhos. A frase é um clichê — mas nem por isso deixa de ser tão verdadeira. Escutar o coração seria deixar falar a voz interior, amar com todas as forças, sem limite.

ovonovo_-9Não dá pra escutar direito o coração quando se aceita tudo o que dizem os médicos; quando se quer agradar e obedecer aos conselhos que a família repete; quando fazem comparações com outras mães, pais e bebês; quando se pensa em seguir um manual de como viver com um bebê; quando se dá ouvidos aos palpites da velhinha no ponto de ônibus.

É difícil escutar o coração em meio a tanto barulho.

Escutar o coração não é afrontar, nem fugir dos rumores — até porque silenciar o mundo não seria possível. É ouvir, filtrar, refletir sempre. Procurar nas palavras dos outros algo que encontre eco, que entre em sintonia com o que temos lá dentro. Difícil, sim. Mas quem disse que seria fácil?