LEITE COM NESCAU EMBAIXO DA CAMA

— era com isso que eu tinha sonhado. Um copo de vidro, daqueles de requeijão, e leite achocolatado. Seguramente, colocavam um pouco de açúcar, para adoçar ainda mais a mistura. Era isso o que eu bebia todas as manhãs. Provavelmente, tinha pão com manteiga, ou banana, para acompanhar.

Certa vez, sonhei que o copo com nescau tinha sido deixado pela minha avó embaixo da cama, onde eu dormia. Ela teria feito isso como uma surpresa, para mim, antes de eu acordar. No sonho, eu acordo, pego o copo ainda deitada e logo bebo o leite que eu tanto gostava.

Mas o que aconteceu depois do sonho? Eu acordei, do mesmo jeito que tinha acordado no sonho. Só que dessa vez não havia nada embaixo da cama. O leite com nescau estaria na cozinha, como sempre esteve todos os dias da vida.

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Cheguei à cozinha triste. Perguntei à vovó: “cadê o leite que você colocou embaixo da minha cama?” Ela não deve ter entendido nada da minha pergunta.

Talvez já naquele momento eu teria compreendido que há sonhos muito parecidos com a realidade. Às vezes até paralelos a ela. Esses sonhos ao mesmo tempo são próximos e distantes do que vivemos. Seriam uma outra vida?

O CORPO TODO AMAMENTA

foi o que senti desde o começo. O meu corpo todo estava dedicado àquela atividade: dar de mamar; e não somente o corpo mas a mente também. Dar. Dar o seu tempo, a sua atenção, os seus pensamentos, os seus sentimentos e expectativas. Amamentação é sobretudo entrega. Já ouvi dizer que seria uma prolongação da gravidez, mas mais que isso.

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O bebê é pequeno, magrinho. Eu o observava, cada pequeno movimento, para identificar os sinais da fome. Colocava pertinho de mim. Mas como, de que lado? Onde posiciono os seus bracinhos? E a cabeça? Mais pra cima, mais pro meio? Onde é melhor: no sofá, na cadeira, na cama? O bebê se debate, fica ansioso. A mãe, desajeitada, compartilha a ansiedade. O coração bate depressa. Vem o choro. Vem a preocupação. Estou fazendo certo? Ele está pegando o peito direitinho? Está realmente saindo leite do peito?

Para o bebê, é tudo ou nada. Mamar é questão de vida ou morte. Fome, essa coisa que ele sente só agora, aqui fora. Ainda tem a lembrança daquela vida lá dentro da mãe: não respirava, não tinha frio, não tinha vazio. Fora é a enorme claridade, o ar que entra e sai do corpo, a barriga que pede leite. Mas não só leite. Acima de tudo, ele quer aquele corpo de volta, aquele corpo que não é mais seu. A mãe. Ele quer a mãe, quer olhos nos olhos, quer tocá-la, quer sentir a pele, a voz, o cheiro.

O bebê pede pra mamar quando você está almoçando, quando você precisa ir ao banheiro, quando o zelador toca a campainha, quando o carteiro está entregando um pacote pesado, quando você está dormindo. Quanto leite ele deve beber, por quanto tempo ele vai mamar? Essas perguntas não significam nada para o bebê, que não conhece tempo, que não conhece quantidade.

Há toda uma dimensão selvagem da amamentação que é simplesmente deixada de lado. Esquecemos que somos animais, que somos mamíferos… e que dar de mamar não se resume somente a alimentar.

A sensação da primeira sugada é estranha e ao mesmo tempo maravilhosa. Ao longo dos minutos de mamada, o corpo todo dói. Os braços segurando o bebê. As costas, sentada numa mesma posição minutos a fio. E os seios, é claro, delicados e ao mesmo tempo poderosos.

Eu olhava para o relógio e via as horas passarem. Meu corpo ali, sentado, com o Francisco nos braços.

Repetindo o que já disse, é uma entrega; e eu me entregava, de corpo e mente.