NA FRENTE DO ESPELHO

eu ficava me olhando, minutos a fio. Devia ter uns sete anos. Eu já ia à escola, isso lembro bem. Pensando hoje, era como se eu me auto-hipnotizasse. Digo isso porque me vinham algumas perguntas à mente. A principal delas era:

Quem é essa menina que eu vejo aqui na minha frente?

É a Ana Amelia? Quem é ela? 

Ela é a menina que leva uma sacola das Pernambucanas para a escola, amarela e preta, com uns desenhos bonitos. Lá dentro tem uma pasta de elástico verde-escuro, com as folhas de atividades.

A Ana Amelia está usando uma blusa de lã, feita pela vovó, dona Otília, com listras vermelhas e azuis. O cabelo está penteado, com uma risca.

Mas quem é ela?

E assim continuavam as perguntas. Eu me perguntava também: quem está fazendo todas essas perguntas? É outra Ana Amelia? Outra menina? Quem é?

EU ANDAVA DE BICICLETA

aos domingos no Minhocão, quando eu tinha uns 8 anos. Durante o mandato da Erundina, em 1989, o viaduto começou a ser interditado aos carros uma vez por semana. Assim, tornou-se uma opção de lazer dominical. De manhã, depois da missa, eu passava no ônibus-biblioteca que estacionava no largo Santa Cecília, acompanhava meu pai à feira. O passeio de bicicleta devia acontecer depois de tudo isso, provavelmente à tarde.

Gostava de sentir o vento batendo no rosto, a relativa solidão de percorrer o viaduto de ponta a ponta em poucos minutos. Uma vez, na descida, me descontrolei e caí, bati forte a cabeça. No mais, não me arriscava a andar de bicicleta nas ruas movimentadas. O Minhocão era o espaço ideal para meus passeios ciclísticos: amplo, plano, sem semáforo ou cruzamentos, poucas curvas e inclinações.

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A bicicleta cor-de-vinho pertencia, anos antes, à minha prima. Ela cresceu e então a bicicleta ficou sendo minha, somente por um curto tempo. Eu também cresci e a bicicleta ficou pequena demais. Depois dela, não tive mais nenhuma outra. Fui levando outro estilo de vida, mais sedentário. Muito raramente ia ao parque Ibirapuera, onde era possível alugar uma bici. São Paulo também era uma cidade pouco acolhedora para ciclistas. Meu irmão e uma amiga cruzavam as ruas, indo para lá e para cá sobre duas rodas. Eu olhava para eles dois com admiração: — “que coragem enfrentar as subidas e descidas e o trânsito cruel da cidade!”

Felizmente, São Paulo está mudando nesse aspecto. Minhas últimas viagens para lá me mostraram mais e mais gente percorrendo as ruas com a segurança das ciclovias. Tanto melhor.

Quando estive em Lyon, já faz uns sete anos, o cara que me hospedou me ofereceu uma bicicleta. Recusei, disse que não me lembrava mais como andar. Em vez de pedalar, pegamos metrô para ir a uma festa, e voltamos a pé, quilômetros e quilômetros. Se eu era meio reticente quanto à bici, pelo menos me entusiasmo por longas caminhadas.

Faz uns quatro anos, me emprestaram uma bicicleta. O marido, então namorado, amante de ciclismo, queria passear comigo. Eu lhe disse: — preciso reaprender a andar! Escolhemos uma parte tranquila da rua. Não foi tão difícil quanto imaginava. Pedalava lentamente. Aos poucos fui me entregando ao seu ritmo metálico, seu equilíbrio em movimento. Que maravilha! As sensações dos passeios no Minhocão retornaram.

Resolvi arriscar e partir para o passeio: sentia-me pronta. Acelerei, tinha uma curva… ops! Perdi os pés do pedal. Estava sem o controle da bicicleta. Na rua, outras pessoas de bicicleta, no sentido contrário; carros estacionados. Eu a toda velocidade, com medo. Apoiei-me num furgão vermelho que estava parado à direita. Caí no chão.

Resultado: joelho esquerdo bem machucado. Passou um dias e precisei ir ao hospital, porque doía muito. Examinaram. Tomei vacina antitetânica. E desde então, nenhum retorno às duas rodas.

O Francisco é muito interessado por bicicleta. O pai vai todo dia trabalhar com sua magrela. Próximo ano, quem sabe, estaremos os dois, mãe e filho, (re)aprendendo a pedalar.

QUE DIFÍCIL SAIR DE CASA!

— esse é um comentário que faço a mim mesma com frequência. Mais de um ano atrás, quando o Francisco ainda era um bebê dentro do sling, eu já comentava sobre isso. A dificuldade é menor hoje, mas ainda permanece.

A ilustração é de Lucy Scott, que retratou com bom humor as dificuldades de seu primeiro ano como mãe. Essa foi a com que mais me identifiquei: “passeio improvisado: aproximadamente 45 minutos até conseguir sair de casa”. 45 minutos parece até pouco tempo para cruzar a porta de casa!

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O dia passa como num piscar de olhos. Já de manhã, digo ao Francisco: — vamos passear? Mas antes precisamos comer alguma coisinha, tomar banho… Só que vai sempre aparecendo algo mais para fazer — louça acumulada, comida para preparar. Faço inúmeras pausas nos afazeres para brincar com o Francisco, abrimos um livro, inventamos músicas e joguinhos, damos risada. Tem momentos em que ele quer peito. Acaba tirando um cochilo. Chega a hora do almoço. Depois do almoço, a gente sai. Mas ainda falta tomarmos banho! Depois do banho, o Francisco faz cocô. Limpa. Troca roupa. Aproveita que a máquina de lavar terminou e vou pendurar roupa no varal. Prepara a bolsa para sair, sem esquecer gorro, blusinha, fraldas de reserva, garrafa de água, etc. etc. etc. Quando vejo estamos já no final da tarde. Ou já é de noite…

Desde que o Francisco nasceu, tenho pouquíssimos compromissos. Cada pequena tarefa cotidiana — como ir aos correios ou a uma consulta médica — é para mim um grande desafio. Lembro de algo que li sobre a maternidade: a mãe acaba entrando no universo de sensações e assume um pouco da perspectiva do bebê. É como se eu tivesse me tornado um pouco bebê e perdido a noção de tempo, compromisso, hora marcada… Tentei me matricular no curso de ioga para mães, desisti sem nem ter ido. Meses depois, pensei em pilates — desisti do mesmo jeito. Eu me sentia incapaz de me programar para sair de casa a tempo. Pensava: — e se no horário do curso o Francisco está dormindo? Prefiro ficar em casa e descansar junto com ele!

Na verdade, acabei escolhendo por ter o mínimo de eventos e me concentrar no ritmo do Francisco — suas sonecas, seus horários de brincar, de mamar. Hoje, é claro, temos o horário para comer, almoço, lanches, janta. Mas fora isso, diferente de outras famílias, não existe um momento definido para dormir ou acordar, nem mesmo para a soneca diurna.

Tudo tem seus dois lados. Fico pensando como seria se eu tivesse me integrado em alguma atividade externa, se não teria isso positivo para nós dois. Mas percebo também que o melhor é o que efetivamente conseguimos fazer. Respeito e aprendo com meus próprios limites, os erros e acertos. E principalmente, tenho acolhido a solidão que marca esse período inicial da maternidade — tema de um post futuro.

A LUA

é nosso satélite natural — isso a gente aprende na escola. No dia a dia, a gente vai acompanhando pelo céu suas mudanças de fase: cheia, minguante, nova, crescente. As marés, todo mundo sabe, sofrem influência do magnetismo lunar.

Não sei bem quando ou como ouvi falar que havia fases da lua mais propícias para cortar o cabelo. A partir daí, preferi ir ao salão durante a lua crescente ou cheia, já que meus cabelos tem pouco volume.

Com o passar do tempo, fiquei sabendo que a lua rege o ciclo menstrual — uma baita descoberta, visto que sempre tinha irregularidades no ciclo; a menstruação ou vinha muito antes ou atrasava demais. Faz pouco tempo, fui atrás de um calendário lunar menstrual, para ir anotando, como um diário, as mudanças no corpo. Depois de uns meses, posso dizer que o resultado é muito bom! Ir seguindo no céu o ritmo das fases, seus significados, está sendo uma maneira de sintonizar meu ciclo. As cólicas e mal-estar vão diminuindo.

Ao longo de minhas variadas leituras, fiquei sabendo que a lua rege, na verdade, toda uma série de atividades da natureza: a semeadura e as colheitas; a poda e a rega das plantas; o corte de unha e cabelos; a limpeza da casa; mesmo afazeres domésticos, como lavar roupa ou fazer faxina tem dias mais favoráveis, segundo a fase da lua. O Carnaval e a Páscoa, duas das principais festas religiosas e culturais, tem suas datas definidas pela lua.

Olhando o calendário e observando os acontecimentos, também consigo fazer uma relação entre a fase da lua e o humor do Francisco. A lua rege também a vida materna e do bebê. Ela também é a regente do meu signo, Câncer. É toda uma série de razões que tem me feito prestar mais atenção a ela.

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Aqui no blog há uma série de posts sobre a lua e como ela marcou um período da minha vida, em que eu pude olhar para um céu aberto e cheio de cores, diferente do céu cercado de prédios em São Paulo. Há mesmo um post preciso em que eu busco alguma relação entre a lua e a mudança das estações do ano. Um evento muito marcante para mim foi o nascimento do Francisco, que ocorreu exatamente num dia de mudança de fase da lua, de nova para crescente — uma vizinha havia contado para mim, quando eu ainda estava grávida, que dia de mudança da lua é propício a nascimentos. Dito e feito.

Ainda tudo é muito superficial e misturado — leio aqui e ali, vou tentando experimentar e sobretudo ver como as coisas se desenrolam.  De maneira mais bela já disse o Gilberto Gil:

O luar 
Do luar não há mais nada a dizer 
A não ser 
Que a gente precisa ver o luar 

Que a gente precisa ver para crer 
Diz o dito popular 
Uma vez que é feito só para ser visto 
Se a gente não vê, não há 

Se a noite inventa a escuridão 
A luz inventa o luar 
O olho da vida inventa a visão 
Doce clarão sobre o mar 

Já que existe lua 
Vai-se para rua ver 
Crer e testemunhar 

O luar 
Do luar só interessa saber 
Onde está 
Que a gente precisa ver o luar