A LUA

é nosso satélite natural — isso a gente aprende na escola. No dia a dia, a gente vai acompanhando pelo céu suas mudanças de fase: cheia, minguante, nova, crescente. As marés, todo mundo sabe, sofrem influência do magnetismo lunar.

Não sei bem quando ou como ouvi falar que havia fases da lua mais propícias para cortar o cabelo. A partir daí, preferi ir ao salão durante a lua crescente ou cheia, já que meus cabelos tem pouco volume.

Com o passar do tempo, fiquei sabendo que a lua rege o ciclo menstrual — uma baita descoberta, visto que sempre tinha irregularidades no ciclo; a menstruação ou vinha muito antes ou atrasava demais. Faz pouco tempo, fui atrás de um calendário lunar menstrual, para ir anotando, como um diário, as mudanças no corpo. Depois de uns meses, posso dizer que o resultado é muito bom! Ir seguindo no céu o ritmo das fases, seus significados, está sendo uma maneira de sintonizar meu ciclo. As cólicas e mal-estar vão diminuindo.

Ao longo de minhas variadas leituras, fiquei sabendo que a lua rege, na verdade, toda uma série de atividades da natureza: a semeadura e as colheitas; a poda e a rega das plantas; o corte de unha e cabelos; a limpeza da casa; mesmo afazeres domésticos, como lavar roupa ou fazer faxina tem dias mais favoráveis, segundo a fase da lua. O Carnaval e a Páscoa, duas das principais festas religiosas e culturais, tem suas datas definidas pela lua.

Olhando o calendário e observando os acontecimentos, também consigo fazer uma relação entre a fase da lua e o humor do Francisco. A lua rege também a vida materna e do bebê. Ela também é a regente do meu signo, Câncer. É toda uma série de razões que tem me feito prestar mais atenção a ela.

DSCN7394

Aqui no blog há uma série de posts sobre a lua e como ela marcou um período da minha vida, em que eu pude olhar para um céu aberto e cheio de cores, diferente do céu cercado de prédios em São Paulo. Há mesmo um post preciso em que eu busco alguma relação entre a lua e a mudança das estações do ano. Um evento muito marcante para mim foi o nascimento do Francisco, que ocorreu exatamente num dia de mudança de fase da lua, de nova para crescente — uma vizinha havia contado para mim, quando eu ainda estava grávida, que dia de mudança da lua é propício a nascimentos. Dito e feito.

Ainda tudo é muito superficial e misturado — leio aqui e ali, vou tentando experimentar e sobretudo ver como as coisas se desenrolam.  De maneira mais bela já disse o Gilberto Gil:

O luar 
Do luar não há mais nada a dizer 
A não ser 
Que a gente precisa ver o luar 

Que a gente precisa ver para crer 
Diz o dito popular 
Uma vez que é feito só para ser visto 
Se a gente não vê, não há 

Se a noite inventa a escuridão 
A luz inventa o luar 
O olho da vida inventa a visão 
Doce clarão sobre o mar 

Já que existe lua 
Vai-se para rua ver 
Crer e testemunhar 

O luar 
Do luar só interessa saber 
Onde está 
Que a gente precisa ver o luar

QUANDO NOS MUDAMOS

para um apartamento, depois de uns anos em casa com quintal em rua calma, fazíamos muito barulho. Mas talvez um momento ficávamos mais quietinhos: quando o dia ia acabando, o sol indo embora, era bonito ver a paisagem que se abria na janela.

O apartamento ficava no oitavo andar: em volta, poucos prédios próximos. Por isso, a visão era bem ampla. Dava para ver a torre do Banespa, o Altino Arantes, lá longe, bem no centro da nossa sala. Um belo privilégio. O sol nascia bem nessa direção, a leste. A luz invadia toda a sala, até a porta de entrada.

Olhando bem para baixo, havia muitas casinhas. Um grande terreno, daqueles antigos, com fundos vastos. Tinha uma mangueira (ou era um abacateiro?). E galinhas ciscavam. O galo cantava, principalmente de manhãzinha.

image

Raramente, podíamos ver arco-íris abrindo-se no céu. A gente corria atrás da máquina fotográfica para fazer um registro desse acontecimento tão único.

Uma vez pude presenciar uma gata dando à luz, no telhado de uma dessas casas. Os gatinhos saindo, um a um, de dentro da mãe. Eu duvidava da cena, mas era aquilo mesmo.

Morávamos no mesmo quarteirão da escola. Adiante, dava para ver a quadra de esportes. Uma parte do pátio coberto também. Assim, quando eu estava doente e faltava no dia de alguma festa — junina ou da primavera — eu ficava na janela observando o movimento das crianças. Por sinal, eu quase sempre ficava doente em dia de feira de ciências ou festas. Ausentava-me dos momentos especiais e festivos da escola, ainda sem saber direito o porquê.

UM ANO ATRÁS, EM DEZEMBRO

estava rascunhando o relato de parto; o texto ia crescendo e ficou tão longo que o dividi em partes; elaborei uma série de posts; escolhi dia 21 de dezembro para começar a publicá-los no blog; reiniciaria, assim, a escrever nele, depois de um bom tempo parado.

O Francisco estava começando a se virar deitado; fazia uns sons gostosos, risadas e gritinho agudos; salivava muito; levava os dedos à boca, tanto os dele como os nossos; estranhava as pessoas; teve seu primeiro resfriadinho, que sarou com difusor de óleo essencial de eucalipto, peito, carinho e mais nada; dormia no meu colo enquanto eu fazia uma colcha de crochê ou lia algum livro; as cólicas dos três meses já tinham cessado; passamos pela consulta dos quatro meses, a partir da qual decidimos mudar de pediatra; pequeno, eu passeava com ele amarradinho no sling wrap, sentindo o corpo dele junto ao meu.

image

Lá pelos dias de natal e ano novo, disse ao Marco: – preciso de ajuda; uma terapia, tratamento, alguma coisa. 2014 começou meio duro. Era como se eu tivesse perdido as chaves mas estava procurando no lugar errado; o mundo me parecia áspero demais… Meus pés doíam e a cabeça pesava. Precisava de alguma mudança.

Fui atrás. Encontrei livros e pessoas. Essas pessoas e livros me levaram a encontrar outras pessoas e outros livros. Sem elas, não sei o que teria sido deste ano. Sou muito grata pelos encontros e trocas, dentre as quais conto com a atividade do blog. Definitivamente, faz parte da minha terapia — um “cuidar de mim”, um meio de pensar o que vivo, de transmitir e receber coisas boas. Que bom.

O PARTO É MEU

— foi mais ou menos com essa ideia em mente que fui me preparando durante a gravidez. O nascimento dx bebê seria uma experiência única. Mesmo mães que passam por várias gestações dizem que cada um desses momentos são diferentes um do outro. Sentimentos, dor, medo: são todas coisas muito pessoais.

Por isso quase sempre sinto dificuldade em ajudar mulheres que me escrevem perguntando sobre gravidez e parto. Uma das coisas mais importantes é informar-se, na minha opinião. Mas cada pessoa tem seus pontos de vista. Há gente que prefere não ler ou pesquisar. Há quem dê mais confiança a um/a profissional do ramo.

Arquivo Escaneado 2

 

Uma coisa me parece certa: a mulher pode se cercar dos profissionais mais qualificados — o parto acontece entre as suas orelhas, na sua cabeça. Cabe a ela, e a mais ninguém, dar conta das contrações e abrir caminho à dilatação. Por isso penso que chamar a responsabilidade para si é o caminho mais interessante. A gestante que toma consciência de seu papel estaria mais preparada para enfrentar a montanha russa e as ondas que a esperam no parto — inclusive os imprevistos, tudo aquilo que foge ao esperado. E pode encarar com mais coragem todos os desafios que virão pela frente. Digo isso pensando na minha vivência pessoal; cada mulher saberá o que é melhor para si.

Nessa minha relação entre o que escrevo e as pessoas que me lêem, eu preciso sempre estar atenta às fronteiras entre a minha experiência particular e a vida das outras pessoas. Se eu tive um parto natural, sem intervenções, rápido, foi porque aquilo era o que eu tinha para viver. Me dói o coração quando fico sabendo de algum caso de violência obstétrica, como foi a cesárea forçada de Adelir. Porém, não devo de modo algum impor o que para mim me faz feliz aos outros. Posso aconselhar, relatar, exprimir meus sentimentos. E sobretudo desejar o melhor para cada mãe e bebê. Mas é necessário, contudo, que eu tolere e não julgue — nem lamente — as diversas experiências da maternidade. Afinal, muita coisa nessa vida não acontece por acaso

“E O MEDO?”

muita gente já me perguntou, das maneiras mais variadas. É normal esperar que se sinta medo durante a gravidez e principalmente o parto. A dor, sobretudo, é o que mais assusta.

No começo da gravidez relembrei a célebre frase do Gênesis: “parirás teus filhos com dor”, algo assim. A dor seria então um castigo divino, equivalente ao suor do rosto, o trabalho árduo necessário à sobrevivência.

Dá medo de um castigo tão forte imposto a nós mulheres? Uma moça me disse, no começo da gravidez: “é impossível suportar as contrações; você vai pedir por anestesia!” Ela teve seus dois filhos por cesárea, eu nem quis argumentar; limitei-me a dizer: “eu prefiro parir sem anestesia”.

Sim, a minha ideia era sentir tudo. E felizmente foi o que eu vivi.

image

Não lembro mais onde eu li que o contrário do medo é o amor. Dediquei-me a amar tudo com todas as minhas forças: amar a mim, meu corpo, o Marco, x bebê. Amar a água, a comida, o sol, a cama. Tentava irradiar de alegria. Fechar os olhos e ficar desejando o melhor para nós.

Muitas vezes se compara o parto com um passeio de montanha russa. Faz bem sentido: uma vez lá no alto, o melhor a fazer é se deixar levar. No caso das contrações, deixando o corpo livre, movimentando-se, gritando, abraçando alguém próximo.

Bem no momento em que o Francisco estava saindo, o que fiz foi segurar as mãos do Marco. Eu sentia o círculo de fogo, talvez o ponto mais forte do parto. Dias depois, me disse o Marco que eu apertei com tanto vigor que suas mãos doeram. Eu sou o tipo de pessoa que tem dificuldade pra abrir vidro de geleia. De onde tirei força pra esmagar as mãos do Marco?

A quem me pergunta sobre o medo, a dor e as sensações do parto, tento responder que cada pessoa vive à sua maneira essa experiência. E que podemos sempre nos surpreender com a força e a coragem que vive dentro da gente.

O PARTO, COMO EU IMAGINAVA

seria na água. Gosto muito de água, acreditava que seria um bom meio de transição para x bebê. Assisti vários vídeos de partos em banheiras. Assegurei-me que poderia ter uma na casa de parto.

Também imaginava um trabalho de parto longo. Muitas contrações espaçadas; eu poderia dormir entre elas. Talvez durasse mais de um dia… estava pronta pra enfrentar uma maratona.

Levei umas garrafas de água de coco na mala. Queria tomar algo de gostoso e nutritivo durante o trabalho de parto; hidratar e dar um gostinho de coco àquele momento.

Pensava que iria chorar muito ao ver x bebê, assim como eu chorava lendo e vendo vídeos de parto.

image

No fim das contas, Francisco nasceu na cama da sala de parto. Poderia ter sido de cócoras; mas na hora, improvisei ficar de quatro apoios — de acordo com o que sentia naquele momento. Nem foi possível cogitar a banheira porque chegamos na casa de parto com dilatação total e quase coroando. Tive contrações pouco espaçadas, não dormi. Foi muito rápido, tudo aconteceu em seis horas. Só comi uma banana durante esse tempo. A água de coco ficou lá esquecida na mala. Não chorei ao ver o Francisco; estava radiante de alegria. Fui chorar só dias depois, ao voltar pra casa e quando recebemos a certidão de nascimento.

Entre o planejado e a realidade, o mais importante foi ter-me preparado para o imprevisível.

A MATERNIDADE E O ENCONTRO COM A PRÓPRIA SOMBRA, DE LAURA GUTMAN

é outro dos livros interessantes que descobri durante a gravidez. Estava lendo um relato de amamentação e lá encontrei a referência a ele. Fui atrás, encomendei, comecei logo a ler. Depois disso, em vários blogs, sites, relatos que eu acompanhava, via a mesma indicação de leitura.

Laura Gutman é uma best-seller. Tem um instituto em Buenos Aires, onde orienta famílias; muitos livros publicados; dá palestras, entrevistas. Em razão do sucesso de A martenidade…, ano passado, dois outros livros seus ganharam tradução para o português.

O livro parte de uma ideia muito elementar: a de que mãe e bebê vivem, nos primeiros momentos, uma relação fusional. O bebê vive no interior do corpo de sua mãe, durante a gestação. Mas, mesmo ao nascer, separado daquele corpo, a fusão ainda se mantém — falar de mãe ou de bebê é falar dos dois ao mesmo tempo.

Essa dimensão fusional é tratada em diversos escritos. Até mesmo em Shantala: a massagem conduz mãe e bebê a se descobrirem.

O bebê tem a capacidade de revelar à mãe sua sombra, ou seja, tudo aquilo que ela rejeita ou renega a respeito de si mesma. O pós-parto seria o momento-chave, durante o qual a mãe entra em contato com sentimentos contraditórios, inesperados.

Cabe à mãe colher a oportunidade de encontrar com sua própria sombra. Mas como a sombra dá medo — é obscura, misteriosa, pesada — muitas mães evitam esse processo de autodescoberta. Deixam a cargo da criança manifestar a sombra, das maneiras mais diversas: problemas na amamentação, doenças, desvios de comportamento, por aí vai… Em suma, qualquer interferência na relação fusional vai se manifestar, muito provavelmente, por meio do bebê.

Por esse ponto de vista, a autora comenta uma série de situações da maternidade: a gravidez, o parto, o papel do pai, a amamentação, a vida sexual, o sono, o nascimento de um segundo filho, a escola, o retorno à vida profissional…

ovonovo_-33

 

Outro ponto que me chamou muito a atenção durante a leitura: o bebê que temos nos braços se vincula ao bebê que também somos. Isso me encantou: acompanhar o Francisco me faz rever e renovar a criança que sou eu, que eu fui. Minha descoberta do papel de mãe envolve questionar como eu vivi minha infância, relembrar situações, buscar novos meios de me relacionar com o mundo.

Gutman também trata das doenças como manifestação da sombra — como uma mensagem que enviamos a nós mesmos. A mudança de alimentação pela qual estou passando faz parte desse meu esforço em entender melhor meu corpo e minhas necessidades (escrevi sobre isso aqui e aqui). Já me perguntei se a água que bebia em exagero não era algo que eu escondia de mim mesma.

Minha intenção neste post não é resumir o livro, até porque um post não dá conta disso, dada a variedade de temas que ela aborda. Escrevendo como fiz nos parágrafos acima, o livro pode parecer confuso, hermético. E não é. A escrita de Gutman é bem simples, sensível. Ela ilustra suas ideias com casos de mães, pais e filhos que ela atendeu em sua longa experiência como psicóloga.

O livro se dirige não somente a gestantes, mas a mães e pais de bebês, crianças pequenas, até mesmo adolescentes. Desde a gravidez, já o reli em vários momentos, discutindo sempre com o Marco.

Para finalizar, aponto dois aspectos que faltam ao livro. Primeiro: sinto falta de relatos autobiográficos. Gutman é mãe: como ela viveu sua autodescoberta? Ela se limita a descrever seus partos. Por que não fala mais sobre si? Segundo: em poucos momentos ela traz a referência às ideias que apresenta: Jung e Rüdiger Dahlke são alguns deles. Winicott parece ser um autor que a inspira mas ela não o cita. De qualquer maneira, o tema me interessa tanto que estou começando a ir atrás dessas leituras relacionadas. Assunto para outros posts…

PARTO ATIVO, DE JANET BALASKAS

foi uma leitura muito importante durante a minha gestação. Ajudou a entender o mecanismo do parto, a estrutura do corpo feminino e os movimentos que eu poderia praticar como preparação para a passagem do bebê.

Balaskas parte de uma premissa muito simples: a mulher, durante o trabalho de parto, deve sentir-se livre, movimentar o corpo como sentir melhor.

image

A imagem padrão de um parto é a mulher deitada, sofrendo e rodeada de pessoas ajudando. Pois justamente essa é a postura menos adequada para a saída do bebê. Pensei numa comparação: tente beber um copo de água deitado de lado. É mais fácil beber quando se levanta, ao menos com a cabeça mais elevada, não? Isso porque a água precisa descer pela garganta…

Por experiência própria, os momentos mais difíceis do parto foram as contrações que senti deitada. Pensava que deveria dormir, mas o intervalo entre as contrações era bem curto; impossível dormir nesse caso. Quando me levantei, me mexi, caminhei pela casa, abracei e beijei o Marco, gritei, me coloquei de cócoras — enfim, quando estava ativa — tudo foi diferente; mais solto e, quem sabe até por isso mesmo, mais rápido.

Devo essa liberdade às leituras que fiz, aos vídeos de parto e às aulas de ioga. Caso contrário talvez estivesse presa à imagem da mulher deitada que espera o filho nascer.

O livro traz inúmeras fotos e imagens, tudo muito explicado, de maneira bem simples. Lembro que folheava-o junto com o Marco, no fim da gravidez, imaginando feliz como seria o parto.

Tenho boas recordações dessa leitura e só posso sentir-me muito grata que ele tenha feito parte da minha experiência. Resta, por isso, recomendá-lo sempre que posso!

DIZER NÃO

pode ser difícil, em alguns momentos. Escutar, compreender, filtrar o que se ouve é muito importante. Ainda assim, é preciso não ceder às próprias opiniões e princípios.

Estava relembrando situações em que disse não, quando li um texto de Eliane Brum que levanta essa discussão. Ela coloca o não como um elemento importante no caso da cesárea forçada a que foi submetida Adelir, no começo deste mês; um trecho:

Ao dizer “não”, Adelir tornou-se perigosa. Como uma mulher, usuária do SUS, moradora da zona rural, recusa-se a cumprir a ordem de uma doutora? Como ela ousa escolher o que considera melhor para ela e para seu bebê? Não como uma inconsequente, mas como alguém que se preparou para o parto, informou-se, contratou uma doula para ajudá-la? Nem mesmo quando botam um termo de responsabilidade diante dela, sempre assustador para todos e mais ainda para os pobres, Adelir recua. Ela assina. E vai para casa continuar a se preparar para dar à luz sua filha.
(…)
O que se torna claro no comportamento de Adelir é que ela tem a coragem de se responsabilizar. E se responsabilizar é ser mãe.
(…)
Quem já ousou enfrentar um diagnóstico médico, seja na rede pública ou na privada, sabe como essa é uma batalha penosa. Pode, inclusive, apalpar o tamanho da coragem de Adelir.

Adelir afrontou todo um sistema quando disse não às médicas que a atenderam. Infelizmente, sua vontade não foi respeitada — já tratei um pouco do assunto em outro post. E vale muito a pena ler o texto da Brum na íntegra.

ovonovo_-50

Aqui vai uma lista de nãos bem marcantes que dissemos ultimamente:

Não para o ginecologista. Numa consulta de rotina, já quase dois anos atrás, o doutor pergunta as datas em que menstruei. Ele se dá conta de que meu ciclo é irregular. Isso eu soube desde sempre, e vivo bem com essa irregularidade. Ele se preocupa e recomenda que eu faça um tratamento de fertilidade. Segundo ele, eu teria dificuldades para engravidar. Disse não repetidas vezes. Não via necessidade em controlar minha ovulação. Queria muito engravidar, mas não queria me preocupar com isso. Se não rolasse, tudo bem. Alguns meses depois, eu estava grávida. Falo disso também aqui e aqui.

Não para uma outra ginecologista. Ela estava cobrindo as férias da médica com quem eu estava fazendo o pré-natal. Durante o ultrassom, ela diz que o bebê é pequeno. E me propõe uma consulta adicional, em uma semana. Recuso. Ela insiste. Recuso novamente. E, como já disse, teria feito o pré-natal de outra maneira, sem tantos controles e exames, cuja necessidade é discutível. Pouca gente fala a respeito das imprecisões e riscos do ultrassom. Dias depois desse controle, a bolsa rompeu, entrei em trabalho de parto e o Francisco nasceu, sem nenhuma intervenção.

Não para a parteira. No relato de parto essa história já foi contada. Recusei o medicamento para dormir, que a parteira me recomendava. Ela pensava que melhor seria se eu poupasse minhas forças dormindo, sob efeito de medicamento. Eu queria um parto sem qualquer intervenção.Felizmente, foi o que vivemos. Prefiro nem imaginar como teria sido se eu tivesse tomado o remédio.

Não para o dermatologista. Tenho um problema de pele. Para tratar pela via tradicional, não poderia amamentar. O Francisco tinha 3 meses quando fui ao dermatologista e ele disse: “pare de amamentar. Dar de mamar é coisa do passado”. Sim, ele disse isso, contrariando todas as evidências e benefícios da amamentação. O que eu respondi: não! Eu quero amamentar! Hoje estou fazendo um tratamento alternativo, com base na minha alimentação. Está me fazendo super bem e o problema está melhorando aos poucos, naturalmente. O assunto é vasto, falo mais em outro post.

Não para a pediatra. Já contei sobre a consulta dos quatro meses. É impressionante como médicos estimulam que as mães desmamem! Por que será?

Certamente, essa lista poderia se estender…

Como tanta coisa na vida, dizer não é um exercício constante. Percebo que com o tempo tenho melhorado nessa prática de recusar, discordar, refutar — mas ainda há tanto o que aprender! Acima de tudo, é preciso saber que o quero para mim. Eis aí outro tema para desenvolver, em outro momento: “eu sei o que quero para mim?” Rende bastante assunto.

VOCÊ QUER UM PARTO NORMAL?

deparei-me com essa pergunta logo no começo da gravidez. Minha resposta: quero. Já no relato de parto, falei de um texto da Ana Cristina Duarte, que colocava a maior dificuldade: a cultura da cesárea, predominante no sistema privado de saúde. Para quem se interessa pelo tema, recomendo ler todas as suas notas, publicadas no facebook. É um enorme apanhado de informação correta, embasada, bem escrita.

Muito importante: por mais que sejamos capazes de parir, a gravidez não é uma experiência obrigatória para toda e qualquer mulher. Há mulheres que não querem ser mães. Há mulheres que tentam e não conseguem. Há mulheres que engravidam de surpresa e não querem ter o bebê. Há mulheres que no imprevisto recebem o bebê com toda a felicidade do mundo. Há gente que se realiza como pai e mãe adotando uma criança. Da mesma forma, parir não é uma experiência absoluta e necessária para toda mulher.

Dentro de mim, eu sentia o desejo de parir. Eu quero viver isso! Não quero ser impedida de viver esse momento, de presenciar o nascimento de uma pessoa, meu/minha filhx.

ovonovo_-38O que eu fiz então? Li muito, vários livros, sites, blogs, pesquisei de todo jeito. Todo dia aprendia algo novo. Entrei em contato com pessoas que poderiam me ajudar, tirar dúvidas. Descobri que era possível meditar sobre a gravidez. Que sentir-me vulnerável poderia me dar uma força enorme. Que o parto é uma experiência da vida sexual feminina.

Mas, sobretudo, aprendi que há muitos mitos que cercam as indicações de cesárea: cordão enrolado no pescoço, falta de dilatação, bebê grande demais, bebê sentado, cesárea prévia, gravidez de gêmeos… Acompanhei e ouvi relatos de muitas mulheres que foram submetidas a cesárea por inúmeras razões, poucas delas realmente legítimas. Cesáreas salvam vidas? Sim, quando existe real indicação para isso.

Eu tive um bom pré-natal. A ginecologista compreendeu minhas escolhas. Inscrevi-me na casa de parto. O Francisco nasceu com 39 semanas, isto é, não precisei enfrentar o argumento de uma gravidez que estava “durando demais” (há gestações que duram 43 semanas, mas muitas mulheres não resistem ao apelo dos ginecologistas para dar um termo à gravidez antes disso, sob a alegação de sofrimento fetal). Comentava-se que o Francisco era pequeno demais. Nasceu com 2,5kg, super saudável. Consegui driblar o cerco de uma ginecologista de plantão (a minha estava de férias nas últimas semanas de gravidez), que quis me submeter a controles desnecessários (cardiotoco e ultrassom além do que a ginecologista havia prescrito, sem qualquer necessidade). Felizmente, vivi a experiência que quis para mim e para o Francisco. Até por isso, sinto-me como que num dever de compartilhar o que vivo, já que aprendi tanto com as experiências de outras pessoas.

Algumas mulheres, depois de uma primeira cesárea, fazem questão de viver um parto normal nas gestações seguintes. Como já falei acima, não é o caso de todas as mulheres. Mas cabe a qualquer uma delas a autonomia sobre seu próprio corpo e seus direitos reprodutivos. Relembremos que a violência obstétrica é uma dura realidade, que pode acontecer de tantas formas.

Poucos dias atrás, 1° de abril, Adelir Carmen Lemos de Goés, grávida e em trabalho de parto, foi levada à força para ser submetida a uma cesárea, contra a sua vontade. O caso está em repercussão: há posts no femmaterna, no cientista que virou mãe, em páginas no facebook como não me obrigue a fazer cesárea.

Por que o caso é tão importante? Porque privaram a mulher o direito de decidir sobre a via de parto. Impediram que o marido pudesse acompanhá-la. Argumentaram com informações sem fundamento (bebê sentado, gravidez de 42 semanas). Como veiculado pelo grupo Artemis, condicionar o direito da gestante de escolher o local de parto à eventual determinação do poder público, na prática, impede o exercício desses direitos da mulher e abrem caminho para uma interpretação equivocada de que qualquer nascimento dependeria da aprovação do Estado. A imposição da cirurgia cesariana se configura ainda VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA, a violência praticada contra a mulher no momento do parto.

Adelir, assim como eu, queria um parto normal. Ela tinha condições de parir; chegou aos 9 cm de dilatação, inclusive. Mas lhe foi tirado esse direito.

Entristeci-me muito com a experiência de Adelir, em sua terceira cesárea, indesejada. Acompanhando as notícias, os posts e a movimentação de ativistas em torno do caso, sinto alguma força: de que lutar, mesmo em pequena escala, pode valer a pena, pode mudar a nossa própria vida e de quem está ao nosso redor. De que sentir esperança é uma maneira de viver melhor cada dia.