UM RELATO SOBRE ALIMENTAÇÃO

ficou na pasta dos rascunhos durante uns seis meses; eu pensava em enviar para um outro blog, sobre alimentação para crianças, mas acabei decidindo por publicar aqui mesmo, já que venho falando sobre o assunto em vários outros posts (como esse aqui) — por isso, aí vai.

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não tenho na memória muitos momentos sobre ter sido ostensivamente forçada a comer. ainda assim, lembro que na pré-escola, na hora do almoço, me enfiaram goela abaixo uma mistura de arroz, feijão e ovo frito. eu chorava muito. sempre chorei bastante no prezinho, porque queria ficar em casa brincando com minha irmã e meu irmão, mais novos do que eu. filha mais velha, eu precisava ir logo para a escolinha, não podia ter colo e era grande demais para entrar no carrossel.
 
quando meu irmão nasceu, eu já tinha três anos e largado a fralda. mas quis fralda de novo, para ser igual a ele.
 
fazendo essa relação, também me recusava a comer como gente grande. meus primos comiam de tudo, eram até gordinhos. um exemplo para mim! mas eu era magrinha e ficava sempre doente.
 
uma coisa eu gostava de comer: doces! uma vez um tio me deu um saco cheio de balas, pirulitos, chicletes de todo tipo. comi tudo numa tarde só. tive diarréia, vomitei, passei muito mal.
 
já grandinha, minha diversão era sair da escola e passar na loja de doces, que vendia balas por quilo. escolhia com carinho as balas, pensava num roteiro: começo com a bala de banana, depois a bala de hortelã, em seguida a bala de morango, etc. etc. caminhava até em casa durante uma meia hora, com o saquinho de papel na mão. quantos gramas de bala eu teria chupado? 100, 200? por quantos dias eu segui esse ritual, dentre tantos outros rituais com a comida que criava na minha rotina?
 
outra coisa que eu comia sem dificuldade era gema de ovo frito. somente a gema! a clara me dava nojo. aí me mostraram a gemada. gema crua, muito açúcar. eita! depois que eu criei gosto pela coisa, me disseram que poderia colocar nescau junto. leite também fica gostoso. enfim, pouco tempo depois lá estava eu comendo massa de bolo cru.
 
doentinha e magra, minha mãe se preocupava comigo. descobriram uma receita milagrosa para dar apetite: biotônico fontoura com ovo de pata e leite condensado. uma colherada cheia logo pela manhã.
 
meu apetite virou uma coisa monstruosa. eu brigava e gritava com meus pais se eles não me dessem quatro esfihas de queijo. quatro esfihas, nem mais nem menos! no café da manhã eu comia dois pães franceses. recheava o pão com biscoito maria e geleia de morango.
 
de magrinha, tornei-me uma pré-adolescente obesa. tive que começar a usar roupas de adulto, porque os tamanhos infantis eram pequenos demais para mim.
 
eu sabia que era gordinha, mas compensava minhas energias no estudo. era uma aluna exemplar, 10 em todas as matérias. fui a melhor aluna da quinta série, premiada e tudo. adorava ir a concerto de música clássica, frequentava várias bibliotecas, assistia os documentários da tevê cultura.
 
mas também era uma menina muito agressiva em casa, com a família. gritava muito, quebrava coisas, chorava. ficava doente com muita facilidade: sinusite, conjuntivite, hepatite, escarlatina, rinite alérgica… também tive diversas distensões e luxações nos dedos das mãos.
 
para encurtar a história, estou até hoje revendo e reaprendendo a comer. minha família agiu da maneira que pôde, preocupada com a minha saúde, dando conta de todos os conflitos ao redor. mas ainda sou uma pessoa com imunidade fraca e digestão difícil. a idade vai pesando e os efeitos vão ficando mais aparentes. fui aprendendo meio na marra que preciso, com meu esforço, abandonar os doces que tanto fizeram parte da minha vida.
 
evito ao máximo açúcar e farinha de trigo. dificilmente consigo me controlar se há um pedaço de chocolate por perto. por isso, guloseimas pouco entram em casa.
 
tenho um filho pequeno. busco dar a melhor alimentação a ele. todo dia vou atrás de informações novas, receitas saudáveis, alternativas naturais. e espero permitir a ele uma relação mais leve com a comida.

EU FALAVA DE FOME

num post de 20 de agosto de 2008, no colher:

ESTOU COM FOME

mas como muitas vezes ultimamente, tenho achado comer uma tarefa, uma obrigação.
É o que diz na Bíblia: comerás o pão com o suor do teu rosto. Ai.
Não… Realmente há coisas muito legais de se comer, falafel, salmão, sorvete, leite de soja com polpa de fruta, sopa de mandioquinha no frio… a lista seria imensa. E como eu não consigo fazer listas, priorizar coisas, já viu. Será por que eu escrevi falafel antes de qualquer outra coisa quer dizer que falafel é minha comida favorita? Sei lá, talvez não. E por que não?
Enfim, algumas vezes acho triste comer. Ter que comer sem ter opção, brownie, cookies, croissant de dois queijos. E por aí vai.
Fico em alguns momentos como esse pensando se houvesse a possibilidade de não precisar comer para viver (a gente poderia pagar uma mensalidade no lugar, algo do tipo) eu a escolheria.

Eram 23h41 da noite, uma quarta-feira. Possivelmente eu estava preparando aulas, lendo, estudando na frente do computador. Aí deve ter surgido a ideia de escrever sobre isso — era uma situação comum naquela época. Trabalho, estudo, fome.

Muitas vezes era uma “fome de doce”: eu deixava ao meu lado barrinhas de cereal, chocolate, goiabinha. O açúcar dava uma energia para ler, corrigir provas, pesquisar atividades para aplicar em sala de aula. Num outro post, eu chamava isso de “comida utilitária” — porque tirava a dor de cabeça e trazia coragem para as tardes na faculdade. Houve uma época em que todo santo dia eu precisava de um tablete de chocolate — pequeno ou grande, ele fazia parte do cotidiano.

A fase final de escrita da dissertação, em que se passa madrugada adentro na frente do computador, enfrentei com chiclete sem açúcar e, em momentos de necessidade, bebida energética. O gosto dos red-bulls da vida não me agrada, mas era preciso encontrar alguma fonte de energia, novamente.

O que parece, lendo e relembrando essas coisas agora, é que havia uma mistura de prazer nas guloseimas, mas também uma relação de dependência. Sem elas, batia o sono, vinha a dor nas têmporas.

Eu falo da fome ali em 2008 como uma obrigação: comemos para nos mantermos vivos. Era difícil encontrar boas opções de comida — achava realmente triste, na correria da rotina, ter que comer o que a lanchonete da faculdade oferecia, os brownies e croissants… Sobrava pouco tempo para preparar comida em casa, levar marmita para o trabalho, comprar frutas?

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Minha fome mudou muito com a gravidez. Naqueles meses, eu tinha fome de “comida de verdade”. Quem me conhece percebeu a diferença. Eu queria prato feito, arroz, batata, legumes, peixe — coisas que sempre gostei, mas não priorizava.

Confesso que também tinha aquela fome que se assemelha mais à ansiedade: fome de madrugada que me fazia levantar da cama, caminhar até a cozinha e procurar algo na geladeira. Ela também aparecia em alguns momentos nos primeiros meses do Francisco. Bom que foi se esvanecendo, que atualmente estou tentando identificar o tipo de fome que tenho.

Ano passado fiquei uns meses sem consumir nada que contivesse glúten, açúcar ou derivados de leite de vaca. Foi uma boa experiência. Difícil, porque precisei pesquisar e fuçar muito as opções de comida. Maravilhoso, porque me forçou a descobrir mais sobre alimentação e sobre mim mesma. Pude observar as reações do meu corpo como também minha relação com as outras pessoas — pois comer é uma atividade social.

Aos poucos, fui reintroduzindo alguns alimentos. Depois passei outros meses somente com alimentos de origem vegetal. Neste momento, estou me alimentando de um pouco de tudo. Mas evito ao máximo açúcar e farinha, visto que são ingredientes que comprovadamente não fazem bem à minha digestão e à minha saúde — meu estômago, minha cabeça e até meus dentes dão sinais quando como coisas como uma pizza, um pedaço de chocolate ou um bolo.

Futuramente, quando não estiver mais amamentando, pretendo tentar o jejum. Por ora, vou praticando a temperança. E buscando escutar melhor minha fome.