EU ANDAVA DE BICICLETA

aos domingos no Minhocão, quando eu tinha uns 8 anos. Durante o mandato da Erundina, em 1989, o viaduto começou a ser interditado aos carros uma vez por semana. Assim, tornou-se uma opção de lazer dominical. De manhã, depois da missa, eu passava no ônibus-biblioteca que estacionava no largo Santa Cecília, acompanhava meu pai à feira. O passeio de bicicleta devia acontecer depois de tudo isso, provavelmente à tarde.

Gostava de sentir o vento batendo no rosto, a relativa solidão de percorrer o viaduto de ponta a ponta em poucos minutos. Uma vez, na descida, me descontrolei e caí, bati forte a cabeça. No mais, não me arriscava a andar de bicicleta nas ruas movimentadas. O Minhocão era o espaço ideal para meus passeios ciclísticos: amplo, plano, sem semáforo ou cruzamentos, poucas curvas e inclinações.

image

A bicicleta cor-de-vinho pertencia, anos antes, à minha prima. Ela cresceu e então a bicicleta ficou sendo minha, somente por um curto tempo. Eu também cresci e a bicicleta ficou pequena demais. Depois dela, não tive mais nenhuma outra. Fui levando outro estilo de vida, mais sedentário. Muito raramente ia ao parque Ibirapuera, onde era possível alugar uma bici. São Paulo também era uma cidade pouco acolhedora para ciclistas. Meu irmão e uma amiga cruzavam as ruas, indo para lá e para cá sobre duas rodas. Eu olhava para eles dois com admiração: — “que coragem enfrentar as subidas e descidas e o trânsito cruel da cidade!”

Felizmente, São Paulo está mudando nesse aspecto. Minhas últimas viagens para lá me mostraram mais e mais gente percorrendo as ruas com a segurança das ciclovias. Tanto melhor.

Quando estive em Lyon, já faz uns sete anos, o cara que me hospedou me ofereceu uma bicicleta. Recusei, disse que não me lembrava mais como andar. Em vez de pedalar, pegamos metrô para ir a uma festa, e voltamos a pé, quilômetros e quilômetros. Se eu era meio reticente quanto à bici, pelo menos me entusiasmo por longas caminhadas.

Faz uns quatro anos, me emprestaram uma bicicleta. O marido, então namorado, amante de ciclismo, queria passear comigo. Eu lhe disse: — preciso reaprender a andar! Escolhemos uma parte tranquila da rua. Não foi tão difícil quanto imaginava. Pedalava lentamente. Aos poucos fui me entregando ao seu ritmo metálico, seu equilíbrio em movimento. Que maravilha! As sensações dos passeios no Minhocão retornaram.

Resolvi arriscar e partir para o passeio: sentia-me pronta. Acelerei, tinha uma curva… ops! Perdi os pés do pedal. Estava sem o controle da bicicleta. Na rua, outras pessoas de bicicleta, no sentido contrário; carros estacionados. Eu a toda velocidade, com medo. Apoiei-me num furgão vermelho que estava parado à direita. Caí no chão.

Resultado: joelho esquerdo bem machucado. Passou um dias e precisei ir ao hospital, porque doía muito. Examinaram. Tomei vacina antitetânica. E desde então, nenhum retorno às duas rodas.

O Francisco é muito interessado por bicicleta. O pai vai todo dia trabalhar com sua magrela. Próximo ano, quem sabe, estaremos os dois, mãe e filho, (re)aprendendo a pedalar.

ERA UMA FESTA DE HALLOWEEN

numa república. Conhecia pouca gente por lá. Logo me enturmei e estava papeando numa rodinha. O tempo passa e quando me dei conta estava sozinha conversando com um cara que fazia geografia. Bonitinho, simpático, falador. Ele pesquisava sobre pedestres. Achei demais o tema — era algo que eu mesma gostaria de estudar!

À conversa se seguiram beijos e abraços. No fim da festa, queria ir embora comigo. Morava bem longe, com os pais; precisava esperar o metrô, depois pegar ônibus… Eu estava a poucos minutos a pé de casa. O que fazer?

Resolvi levá-lo para passear nas redondezas. Augusta, Paulista, Brigadeiro, Bixiga. Percurso improvisado, passos calmos, pausas aqui e ali. Quando o sol já estava chegando, tomamos um café perto da Câmara. Próximo ao Anhangabaú nos despedimos com telefones trocados — ele, cheio de promessas de reencontro, dizia-se fascinado com a minha ideia de ficar perambulando pelas ruas do centro.

image

Mas talvez não tenha sido assim tão maravilhoso como ele mesmo repetia. Convidei-o outras vezes, porém havia sempre alguma desculpa: — “é fim de semestre, deixa pra depois; estou super atarefado”… Tempos depois descobri que ele me contou coisas que não eram verdade. E fui percebendo que os elogios que recebi poderiam ter sido só um artifício de paquera — e que não eram de coração.

E assim foi essa pequena história da moça que quis se vestir de bruxa e levou um moço de longe para passear pelos labirintos de um território que ela conhecia tão bem. Foi passear, procurando quem tivesse disposição para acompanhar e descobrir novas estradas.

QUANDO NOS MUDAMOS

para um apartamento, depois de uns anos em casa com quintal em rua calma, fazíamos muito barulho. Mas talvez um momento ficávamos mais quietinhos: quando o dia ia acabando, o sol indo embora, era bonito ver a paisagem que se abria na janela.

O apartamento ficava no oitavo andar: em volta, poucos prédios próximos. Por isso, a visão era bem ampla. Dava para ver a torre do Banespa, o Altino Arantes, lá longe, bem no centro da nossa sala. Um belo privilégio. O sol nascia bem nessa direção, a leste. A luz invadia toda a sala, até a porta de entrada.

Olhando bem para baixo, havia muitas casinhas. Um grande terreno, daqueles antigos, com fundos vastos. Tinha uma mangueira (ou era um abacateiro?). E galinhas ciscavam. O galo cantava, principalmente de manhãzinha.

image

Raramente, podíamos ver arco-íris abrindo-se no céu. A gente corria atrás da máquina fotográfica para fazer um registro desse acontecimento tão único.

Uma vez pude presenciar uma gata dando à luz, no telhado de uma dessas casas. Os gatinhos saindo, um a um, de dentro da mãe. Eu duvidava da cena, mas era aquilo mesmo.

Morávamos no mesmo quarteirão da escola. Adiante, dava para ver a quadra de esportes. Uma parte do pátio coberto também. Assim, quando eu estava doente e faltava no dia de alguma festa — junina ou da primavera — eu ficava na janela observando o movimento das crianças. Por sinal, eu quase sempre ficava doente em dia de feira de ciências ou festas. Ausentava-me dos momentos especiais e festivos da escola, ainda sem saber direito o porquê.

AINDA SOBRE A VIAGEM, UMA LISTA

aleatória, de impressões e experiências, sobre a primeira vez em que viajamos a três: mãe, pai e Francisco. Digitalizar0012_detalhe_1

— o primeiro ponto está aí, no fato de que viajei como mãe ; já é uma baita diferença: viajar cuidando e zelando por outra pessoa; observando seu cansaço; se está com fome; se precisa trocar fraldas, por aí vai.

— antes, eu era aquela pessoa que se preocupava pouco com as condições de hospedagem, que caminhava horas e horas a fio, muitas vezes sem um rumo definido, comendo qualquer besteira que encontrasse pelo caminho. tudo muda como mãe.

— tinha uma lista de coisas a fazer e pessoas a visitar; devo ter conseguido fazer a metade do planejado. o tempo voou!

— entre outras coisas, gostaria de ter ido ao cinematerna; seria a primeira vez do Francisco no cinema. fica pra outra.

— senti bastante falta do cotidiano, o ritmo de todos os dias, da comida feita em casa, do sono, dos banhos que nunca são iguais em outro lugar que não a nossa casa.

— nessa mudança de rotina, o blw não resistiu; em vários momentos, a gente precisou comer em bufês por quilo; eu escolhia os legumes e verduras que o Francisco poderia pegar; a sujeira era enorme. comecei a sentir que aquilo não valia tanto a pena. realmente é uma tarefa difícil ir a restaurante com pequenxs. acabou que encontramos uma lanchonete super tranquila, com um menu bem bacana. serviam sopinhas bem gostosas, de alho poró, mandioquinha. só me restava dar-lhe as colheradinhas na boca. todo mundo feliz!

— nesse sentido, é ótimo mudar de hábitos, sair do roteiro. eu também, em muitas ocasiões, me via sem opção de comida sem glúten, laticínios ou açúcar. aos poucos, fui rompendo a rigidez da minha alimentação. depois de ter voltado da viagem, mantenho quase sempre a linha, mas vez ou outra abro exceções.

— por falar em exceção, deixamos as fraldas de pano e usamos descartáveis durante a viagem; seria complicado demais mantê-las nesse caso. felizmente não tivemos nada de assaduras.

— como o Francisco e eu ficamos muito juntos durante todo o dia, a viagem foi um momento para exercitarmos a ficar mais distantes; Marco o levava para passear enquanto eu conversava com amigxs.

— os primeiros passos, apoiados nas nossas mãos, o Francisco deu em São Paulo — mas só começou a caminhar livremente aos 13 meses, já de volta. image

— um presente que encorajou os passinhos foi um tipo de meia com solado de borracha; são bem mais simples que os sapatos, que o Francisco ainda não aceita bem; recomendo a qualquer bebê! olha como já está velhinha!

— tivemos, então, um marco para o primeiro aniversário; pudemos pontuar o primeiro ano de vida com um antes e um depois da viagem. fora da zona de conforto, pude repensar de maneira distanciada alguns detalhes da nossa maneira de viver. relativizar, improvisar e mudar. perceber também como aproveitar e curtir o tempo, que passa veloz — principalmente durante as férias!

UMA PARTE DA CASA

 

que estava em demolição resiste na rua Paim, ao lado do estande de vendas de um prédio novo; enquanto não é derrubada, nesse resto de casa se organizam mudanças para o norte e o nordeste.

alguns outros capítulos das mudanças da Paim: 23 de maio de 2010, 9 de dezembro de 2010, 28 de janeiro de 2010, 17 de março de 2011, 20 de março de 2011, …

ESTÁVAMOS NUM PRÉDIO

grande, por onde era possível passear; era aqui em São Paulo. Foi ficando de noite, subimos os andares, acompanhando uma excursão (de japoneses, ao que tudo indica). Uma professora era a guia, contando a história de alguém que fugiu da segunda guerra.

Chegamos ao topo, subindo de mãos dadas. Muita gente ali – moradores, visitantes? – conversavam, deixavam o tempo passar.

O que importava era o céu, muito aberto, cheio de estrelas que rodavam. Eu me perguntava como toda essa cena seria possível.

DESCIA A RUA

Paim e no meio das demolições todas descobriram uma igrejinha no fundo de uma casa, em estilo neogótico. Ela seria demolida também? Não pude saber. Só via subindo a rua uma procissão grande, com muitas crianças. Mais para baixo, outras crianças não participavam da procissão, mas jogavam bola. Parecia que quem acompanhava a procissão era rico, quem brincava de bola não.