SONHEI QUE

Obama tinha morrido.


ele – de verdade, não como a Palin – no Saturday night live…

Sim, o Obama, presidente dos Estados Unidos e tudo o mais, ele mesmo. Foi um choque no mundo todo. Algo como a queda das torres gêmeas. Uma tristeza que só. Clima de “the dream is over”. Para onde vai o mundo?

Culpados? Talvez um extremista estadunidense que não achou graça com o resultado das eleições, com o fato de que a posse aconteceu. Alguém que não está nem aí pro fato de que Obama já está cumprindo promessas de campanha.

Onde aconteceu? Não sei, pode ser em Davos. Poderia ter sido um acidente, um problema de saúde que atacou de maneira fulminante.

Só sei que a força do sonho foi tanta que hoje abrindo uma notícia falando nele, eu logo pensei: – Nossa, mas ele não morreu?

UMA DAS COISAS

mais legais de se fazer em janeiro é justamente arrumar armários e gavetas. Tirar caixas empoeiradas do quarto de bagunça, descobrir vestidos escondidos que você nunca usou no fundo do guarda-roupa. Mandar sapatos velhinhos para o sapateiro, trocar as plantinhas para vasos maiores, doar livros para bibliotecas, amigos e afins. Organizar os papéis todos, extrato de banco, certificados de palestras, fotos de viagem, cartões postais bobinhos.
Jogar muita coisa fora.
Isso tudo eu consegui fazer.

Falta assistir a milhares de filmes arquivados no computador, outros em DVD na estante, emprestados que eu não devolvi, meus que eu comprei e nunca vi.

Entre outras coisas dessas, comecei um projeto ambicioso e importantíssimo: passar as fitas cassete que tenho para meio eletrônico. Salvá-las do apagamento que vai acontecer mais cedo ou tarde.

Dá medo perder tanta coisa que eu gravei com meus irmãos na pré-adolescência, com o nosso primeiro gradiente.


Essa foto achei na internet, mas o nosso está guardadinho, uma das poucas coisas que conseguimos conservar!

Além de gravar muita música das rádios, coisas como George Michael, Information Society, Boy George, Paula Adbul, entrevista da professora Helena do Carrossel, a gente fazia os nossos próprios programas de rádio. Eram entrevistas, músicas que inventávamos, ou fazíamos regravações, como a música de Fagner na abertura de Pedra sobre pedra. Durante a época das eleições, tínhamos o nosso próprio horário político.


Tirei a foto simpática dessa página aqui, que reúne fotos lindas de cassetes

A gente comprava fitas dessa daí, Ferro Extra, o que era um enorme avanço: melhor qualidade do som, duração de 90 minutos, 45 de cada lado.

As fitas eram poucas, às vezes tinha que regravar coisas, apagar outras. Era assim, uma pena.

Tanto que um dia peguei uma fitas dessas laranja, que meu pai tinha gravado com meus bábábá de bebê, eu fiz uma entrevista com a família. Começava assim:

“Hoje é 31 de dezembro de 1992, último dia do ano. Estamos aqui com a Gabriela. Gabriela, esse ano foi um dos mais marcantes para você? O que você mais gostou nesse ano, um dos anos mais legais?”

1992 tinha sido legal para mim porque fui para a quinta série, eram vários os professores, tinha matérias novas na escola. Por isso.

Essa parte da fita, sei lá eu como, foi apagada enquanto estava tentando passar pro computador, não existe mais.

SEMPRE ME PARECEU

um dever, para mim, a leitura da produção literária brasileira contemporânea – um dever daqueles que eu não sigo como gostaria. Não somente para alimentar o repertório de assuntos em rodas de colegas em festas e jantares. Mas pelo fato de que são obras de pessoas que estão aí, andando pelas ruas, pessoas com as quais podemos encontrar e falar. Já fui apresentada ao Miltom Hatoum, por exemplo, e fiquei vexada de conhecer a obra dele de longe somente. De não ter lido nada, nem que fosse para falar mal. Até hoje ainda não peguei nada do Hatoum para ler… porque a prioridade foram as leituras obrigatórias do curso.

Enfim, mas encontrei no trabalho que fiz em dezembro para a rádio francesa (merci enorme para Daniela Prado) o escritor Bernardo Carvalho, e gostei muito da postura dele, da maneira como colocava suas opiniões. E é um cara respeitável e tudo. Sabia que o último livro tratava da imigração japonesa em São Paulo. Aí fiz o percurso básico até a livraria comprar O sol se põe em São Paulo, lançado em 2007.

E não somente: comecei a caçar na internet entrevistas e coisas do tipo. Enquanto lia ainda o livro, peguei esse texto da revista rascunho, no qual Bernardo levanta as questões que toda pessoa envolvida com literatura (seja escrevendo, seja lendo ou estudando) se faz: para que serve a literatura? serve para alguma coisa ou não tem que servir para nada mesmo?

De uma maneira ou de outra, Bernardo Carvalho leva à sério a reflexão, e a coloca de maneira central neste romance, resultado talvez de um impasse no qual ele se encontrava depois de dois livros bem-sucedidos. Ligado ao pensar-sobre-literatura, ele constrói ao mesmo tempo uma investigação, de retorno às origens, romance de viagem e de aprendizado, coisa do romance por excelência.
Por mais que em alguns momentos force a mão na linguagem, tentando ser muito explícito, ou muito explicativo, o que para mim cansa, aprecio o fato de um livro prender a leitura. E foi o que aconteceu comigo. Lia grudada ao livro.

E viagens distantes, pelo que me parece, estão sendo mais frequentes para Bernardo. Ele que foi ao Japão, para escrever o livro (poderia ter feito como Chico Buarque em Budapeste, escrever sobre um lugar sem ter ido?…) sem ajuda financeira, com poucos recursos próprios, ficou um mês em São Petersburgo por conta de um projeto bem ambicioso, Amores expressos: dezesseis escritores brasileiros em diversos lugares do mundo escrevem histórias de amor, mantêm um blog durante a viagem (o de Bernardo aqui), para que depois os livros sejam adaptados ao cinema. Interessante, não?

Voltando a O sol se põe em São Paulo, uma coisa ele vai deixar comigo: a idéia de que as histórias são essenciais para vida, e que devemos ouvi-las e contá-las, antes de morrermos.

SOU MAIS DA PROSA

que da poesia, e o que me atraiu ao livro de Nathalie Quintane, Começo (Début), publicado em 2004 pela 7letras e Cosac&Naify, foi o sub-título entre colchetes:
[autobiografia]

Je m’appelle encore Nathalie Quintane. Je n’ai pas changé de date de naissance. J’habite toujours au même endroit.
Je suis peu nombreuse mais je suis décidée.

Eu ainda me chamo Nathalie Quintane. Não mudei de data de nascimento. Ainda moro no mesmo lugar. Sou pouco numerosa mas sou decidida.

Assim ela se apresenta no site do seu editor, onde ela mantém uma produção considerável, regular e constante. Além das publicações, Nathalie faz leituras públicas e vídeos de seus poemas.

Autobiografias em poemas como Começo, que se assumem como tal, são menos comuns, mas existem. Nesse caso, Nathalie página a página, com poemas em prosa e com a dicção da prosa, recupera momentos e objetos da infância, adolescência, até um fecho pouco positivo, “a entrada no mercado de trabalho”.

Acho que se pode ver os poemas de Começo como um todo, ou pelas seções que dividem o livro e ficam cada vez menos marcantes, ou separadamente.
Prefiro considerá-los pelas seções, deixar algumas dessas seções de lado, e dizer que as que mais apreciei foram as iniciais. Talvez as menos autobiográficas, uma vez que elas discorrem sobre fatos corporais, as sensações destacadas da inércia rotineira. Me lembrou Amélie Nothomb e sua vida de bebê-cano, que ela narra em Metafísica dos tubos.
Um trecho:


Começo 4

Porque não nasci com uma colher na boca, é preciso a cada vez que ela chegue de fora.
(…)

Porque o meu nariz não cresceu para dentro, é o fora que eu respiro.
(…)

Porque os meus ossos estão ligados por nervos e por músculos, sou feita de uma só peça.
(…)

Só de botar o dedo na água, sente-se bem que não é assim tão natural que ele esteja normalmente no ar.

Desnecessário dizer o seu nome corretamente para saber que é este aí.

A constante descoberta do corpo como movimentos e possibilidades me pareceu um traço da poesia de Nathalie. Falo isso também por conta do vídeo a seguir:

O blog da revista Modo de usar fala melhor que eu sobre a autora e apresenta outro trabalho em áudio. Tudo devidamente traduzido para o português. Legal saber que eles são da livraria Beringela, um lugar muito bacana que visitei lá no Rio.