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EU QUERIA PIPOCA DOCE
daquelas de canjica; elas vinham num saco de plástico rosa; uma marca, chamada “Rock”, trazia desenhos de instrumentos musicais na embalagem.
Estávamos passeando na rua. Era fim de tarde, um domingo? Não sei onde tínhamos ido. Mas talvez meus pais estivessem bem cansados, pra lá e pra cá de ônibus com as três crianças. Eu era a maior e por isso deveria me comportar e dar menos trabalho.
Mas eu queria um saco de pipoca. E meus pais disseram: — não. Pode ser que não fosse hora de comer doce, que o dinheiro estivesse contado. Nada disso me interessava: eu queria um saco de pipoca. Pipoca doce. De canjica. Marca “Rock”.
Fonte da imagem: aqui
Não, não e não. Insisti. Chorei. Gritei. Fiz birra. Queria pipoca. Queria porque queria. Não ter a pipoca parecia o fim do mundo.
Meus pais finalmente cederam. Encontraram um camelô pela rua, que vendia as pipocas, penduradas. Me deram o saco de plástico rosa com os instrumentos musicais.
Tão logo abri a embalagem, perdi a vontade de comer a pipoca. Ela se evaporou no ar. Não queria pipoca doce. Devolvi o saco aos meus pais, que devem ter ficado furiosos. E eu, tão triste como antes.
Eu não queria pipoca doce.
SOBRE AQUELA FOTO, DE 2010
que foi o tema desse post aqui, ainda me vieram à mente outras coisas, sobre as quais vale a pena escrever.
Semanas antes da apresentação, entrei num estado de crise. Bateu uma profunda dúvida em relação ao que eu estava fazendo. Quero estudar autobiografia? É isso mesmo o que quero para mim? Será que não haveria outro tema, outro interesse que eu poderia explorar? Não enxergava nenhuma resposta. Fui adiante, mesmo com a visão embaçada. Às vezes é necessário confrontar-se com uma imagem pouco nítida, como uma pessoa em movimento — é mais ou menos o que diz Wittgenstein num texto que me tocou muito um ano antes. O mestrado foi um enorme aprendizado, no âmbito pessoal, sobretudo: para lidar com x outrx e comigo mesma.
Voltando àquele tempo, sentia-me bonita, gostava daquelas roupas, do corte de cabelo; essa lembrança foi clara, logo ao ver a foto. Acho bonita essa Ana Amelia de quatro anos atrás. Paro pra pensar em como o tempo voa rápido e talvez não passe de uma ilusão.
Eu estava magra, mas isso não significa que comia bem ou que estivesse bem de saúde. Lembro que para compensar o estresse, abria uma lata de leite condensado — coisa tão comum, fazer um brigadeiro de panela para acalmar os nervos. Devorava doces, sedenta. Agora entendo melhor aquela minha dependência de açúcar. Antes, eu diria que chocolate era algo indispensável na minha alimentação. Hoje, quase seis meses seguidos sem comer nenhum tipo de doce, percebo que podemos mudar nossos hábitos.
Naquele outubro de 2010, estava me tratando com homeopatia e tinha me matriculado no kung fu. Ouvia muita música, ia a vários shows, mesmo sozinha. Era como se o som do palco e a multidão da plateia me davam um pouco de força. Uma força que eu tentava obter também nos movimentos do kung fu. Força que estou ainda à procura.
Olho para trás com felicidade: sim, tanto agora como naquele momento caminho minha estrada, ao mesmo tempo tão diferente de antes, mas tão igualmente parecida.
ERA UMA LOJA DE DOCES
na rua principal da cidade. no fim da tarde, depois do trabalho ou da escola, encontrava-se ali muita gente, indo saborear um quitute — pudim de leite, arroz doce, cocada, brigadeiro, paçoca, quindim, doce de abóbora, figo em calda, goiabada, pé-de-moleque… eram inúmeras as opções de escolha, assim como era também variado o gosto da freguesia.
Cada um escolhia seu doce preferido. Até o dia em que os fãs de cocada pensaram: “por que os outros não comem cocada? Pois é o melhor doce que existe!”
Eles tiveram a ideia de oferecê-la a quem estivesse comendo outros doces. Alguns aceitaram, inclusive concordaram que cocada é realmente um doce muito bom. Mas teve gente que achou essa iniciativa um absurdo, afinal, havia espaço para todo tipo de doce na loja. Um fã de cocada conseguiu uma vaga na gerência da loja. Tentou convencer o dono a aumentar a oferta de cocada, restringindo a variedade de outros doces. Pensava em suspender a venda de quindim, pois achava um absurdo existir um doce tão amarelo, com gosto de ovo…
Os dias passaram e a insatisfação da clientela só aumentava. A qualidade dos doces caía, com exceção da cocada, único doce que merecia espaço ali, segundo o gerente.
O que aconteceu depois eu não sei… será que o gerente conseguiu transformar a loja em uma cocadaria? Ou tudo voltou como antes, quando cada um tinha sua preferência, seu prazer em comer seu doce preferido, qualquer que fosse?