QUAL A MÚSICA DA SUA VIDA?

essa foi a pergunta que o Marcello me fez, não sei bem como. Deve ter sido por email. A gente se conheceu rapidamente em Curitiba, num festival de música, em 2002. Não mantivemos tanto contato, a não ser por blog, ainda assim por pouco tempo. Ele era mais próximo a outros amigos. Penso que ele estava fazendo uma série de posts sobre música, publicando relatos sobre canções preferidas.

Aí que eu sabia sobre o que escrever: “Changes”, do Bowie. Era e continua sendo minha canção preferida. Não por acaso, trechos dela estão na epígrafe da dissertação de mestrado.  Durante a pós, inclusive, dei uma aula sobre “Changes” (a disiciplina era sobre autobiografias em língua francesa, e no último dia minha orientadora e eu nos demos a liberdade de falar sobre nós mesmas). Amo a ideia da mudança e da permanência: vire para si mesmo, encare-se. Amo o jogo de palavras que faz ler o começo do refrão de duas maneiras diferentes:

Turn and face the strange- ch-ch-changes

ou

Turn and face the strain… changes

Encare o estranho ou encare a distensão das mudanças.

 

Segunda-feira passada eu não quis acreditar nas notícias que pipocavam na internet: David Bowie morre, aos 69 anos, poucos dias depois de seu aniversário e do lançamento de Blackstar. Nunca fiquei tão triste com a morte de um artista. Como disse uma amiga, parece a morte de um parente distante. Meses antes, sentia-me feliz só pelo fato de Bowie estar trabalhando, criando seus discos e vídeos, olhando para nós, como no clipe de Valentine’s day.

 

Por volta de 2001, dois grandes fãs do Bowie, que trabalhavam comigo, me apresentaram sua obra dos anos 1970, que eu praticamente desconhecia. Lembremos que naquela época era demoradíssimo baixar arquivos de música, quem diria assistir vídeos como no youtube. A cada semana, eles me emprestavam um CD: o primeiro foi Hunky Dory. E assim foi:  escutando toda sua obra por ordem cronológica, passando pelos maravilhosos trabalhos dos anos 1970, conhecendo outros grandes nomes do glam rock, como Roxy Music e T. Rex, a fase berlinense, continuando até os menos apreciados discos dos anos oitenta, Never let me down e seus ótimos trabalhos dos noventa, Buddha of Suburbia, Outside (para só então depois voltar aos primeiros trabalhos, Space Oddity e The man who sold the world). Eu já tinha Earthling, de que gostava muito. No aniversário de 2002 me presentearam Heathen, que era um lançamento recente. Me mostraram livros e nos encontrávamos para assistir videoclipes. Pouco depois perdemos contato; continuei porém muito fã do Bowie. Toda amizade tem seus pontos fracos e fortes, suas contribuições, descobertas e aprendizados. Obviamente mesmo que eu não os tivesse conhecido, teria com o tempo tido contato com as músicas do Bowie. Mas acho que não teria sido da maneira especial que foi. Por isso, desse encontro com eles ganhei muito, coisa de que até hoje sou grata.

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Semana passada, me voltou à memória aquele longínquo texto sobre “Changes”. Demorei um pouco para encontrar, fui perguntar ao Marcello sobre seu antigo blog… e no fim das contas achei-o no computador, num arquivo de texto. Aí está ele, um tanto misterioso e elíptico, como eu costumava ser naqueles tempos:

Isso porque quanto mais mudamos, continuamos os mesmos, nos afastamos para chegar mais perto do ponto de partida, como fazemos numa volta ao mundo… e quantas voltas e voltas damos em torno das mesmas coisas? Pra chegar onde, a algum novo lugar necessariamente, ou àquilo que já temos em sonho?

(…)

Essa música foi gravada dez anos antes que eu nascesse, e foi aparecer pra mim quase vinte anos depois, quando alguém que nem era tão próximo de mim na época (e não é mais próximo) me emprestou Hunky Dory, e que queria me mostrar como David Bowie podia ser muito mais do que os hits dos anos 80, Outside e Earthling. Conseguiu me convencer só com esse CD. Acho que é meu preferido, até porque Changes é a primeira faixa. Uma informação paralela: Bowie a teria escrito pra Angie, quando estava grávida, segundo o Sergio, que me contou isso não faz tanto tempo.

Impressionante como desde a primeira ouvida – no som precário do Playstation que meu irmão tinha no quarto porque o CD player e o computador estavam quebrados – ela conseguiu me dizer sempre tanta coisa em pouco mais de três minutos. A primeira vez foi quando uma única coisa mudou tudo e nada restava do que preocupar comigo mesma, ou melhor, que eu tinha que me encarar, ver qual era a minha mesmo. Nada tinha que ser jogado a não ser em cima de mim. E ver como tudo é sempre muito imprevisível, muito doce ou amargo. Mesmo tentando e conseguindo superar muitas coisas, sempre conseguiu resumir o que eu sinto, por mais diferentes que as coisas estejam.

“NÃO LEIA TANTO!”

eis a frase que ouvi algumas vezes durante a gravidez, de pessoas próximas, até mesmo durante a visita à maternidade. Como assim?! Não devo me informar sobre o momento que estou vivendo?

O argumento é que a informação pode atrapalhar. A pessoa ficaria angustiada em frente a muitas informações, com medo e receios.

Pois eu defendo justamente o contrário disso: conhecimento é poder! E poder é tudo o que uma gestante precisa para conduzir bem a sua experiência. Para ser protagonista de sua história, sem deixar nas mãos de outros aquilo que é dela e de seu bebê. Para ela dar espaço aos seus instintos, é preciso quebrar mitos.

A gestação, no meu caso, foi física, corporal, mas muito psicológica também. Meu corpo mudou, mas sobretudo mudei como pessoa. Grande parte dessa preparação aconteceu graças aos inúmeros livros e vídeos que pesquisei, todos os dias. Eu me emocionava sempre, chorando vendo vídeos e lendo relatos de partos, que já não sabia o que tocaria outras pessoas (do lado de fora da maternidade) e o que interessava somente às gestantes e mães.

Um belo dia, contava toda animada a um amigo sobre os vídeos de parto que estava assistindo, o quanto aquilo estava sendo esclarecedor pra mim. Como eu poderia me preparar para o parto sem saber como ele funciona?

Meu amigo reagiu um tanto cético. Foi uma conversa muito curta, por chat. Nos despedimos, era tarde, precisava dormir. Mas aquilo ficou na minha cabeça, martelando, martelando. Logo que acordei, escrevi um email a ele.

Esse email me foi muito útil. É bom quando a gente é levado a defender-se, apresentar seus argumentos. Convenci meu amigo do quanto era importante o que eu fazia. E, além de tudo, fiquei eu mesma mais determinada a prosseguir nas minhas investigações e pesquisas. Por conta disso, reproduzo esse email, logo abaixo. Espero que ele possa dar forças, inspirar e convencer mais e mais pessoas.

nao_leia_tanto_

Olá,
 
Ontem, precisava dormir e nossa conversa talvez tenha sido meio rápida e entrecortada, então por isso eu só queria tentar me fazer entender melhor sobre o que eu disse e você disse; como amigo, acho que cabe isso.
 
Não estou só vendo vídeos de parto, mas também lendo blogs, livros, conversando com pessoas pelo facebook e fazendo curso de ioga para gestantes. Talvez se eu estivesse em São Paulo, participaria de algum grupo de gestantes e doulas, onde ouviria relatos.  A internet é minha maneira de encontrar algum apoio, tão necessário nesse momento.
 
Já perguntei a algumas pessoas próximas sobre seus partos. Tem aquelas que simplesmente se recusam a contar, outras que contam por cima, outras que nem lembram mais. É o direito de cada um. São todas pessoas no seu direito de se preservar, de não contar, de esquecer. Mas se eu quero saber, tenho que procurar minhas fontes, ir atrás.
 
Você disse que “se fosse médico entenderia que se deve ver vídeos de parto”. Quem conduz um parto não é nem médico, nem parteira, nem doula, nem enfermeira. É a mãe e o bebê, mais ninguém: ela dilata, ele passa.
Vi isso ontem: o que significa obstetra? “aquele que observa”. Grandes problemas e tensões de parto acontecem porque a mãe não toma conhecimento de sua força, tem medo, encara o evento como um acontecimento médico. Relega a sua responsabilidade a essa autoridade — não por vontade própria, mas porque não foi preparada, informada, não recebeu o apoio que deveria. Uma mulher sem preparo não entende que ela pode se movimentar, fazer o que lhe der vontade, durante o trabalho de parto. 
 
Se tudo der certo não vamos ter o bebê no hospital, mas numa casa de parto. E isso muda muito, eu mesma antes não sabia o quanto. No mundo inteiro, abusam de cesáreas sem necessidade. 
 
Quero me munir de calma e força para esse novo momento da vida, que já começou. Não é só o meu racional que busco trabalhar. 
 
A gravidez muda muito uma pessoa, ela querendo ou não. Aceitar e compreender a linguagem do corpo, as náuseas, a falta de força, o ritmo que muda. Entender tudo isso depende de uma abertura, de uma falta de medo. Ou de saber encarar os medos. Mas circulam muitos outros medos, que são superficiais (medo da dor, da vagina alargar, do sexo com o marido depois do nascimento do bebê) frente ao que acontece numa pessoa.
 
Sei que não serei (ninguém é) uma mãe perfeita, nem quero ser. Quero poder me mostrar ao bebê como alguém que não é perfeito, mas que o ama. Quero aprender com esse momento. E me sinto muito feliz dos passos que estou dando. Me surpreendo todo dia com minhas descobertas — que não são somente da ordem objetiva. Estou descobrindo muito de mim mesma. Isso é o mais importante.
 
Beijos,
 
Ana Amelia

“PORQUE O REI

fazia questão que sua autoridade fosse respeitada”.

Assim é o monarca que o Pequeno Príncipe encontra em sua viagem. É uma das personagens que mais me marca no livro. Isso porque tem uma sabedoria muito prática:

– Se eu ordenasse a meu general voar de uma flor a outra como borboleta, ou escrever uma tragédia, ou transformar-se em gaivota, e o general não executasse a ordem recebida, quem – ele ou eu – estaria errado?
– Vós, respondeu com firmeza o principezinho.
– Exato. É preciso exigir de cada um o que cada um pode dar, replicou o rei. A autoridade repousa sobre a razão. Se ordenares a teu povo que ele se lance ao mar, farão todos revolução. Eu tenho o direito de exigir obediência porque minhas ordens são razoáveis.
– E meu pôr-do-sol? lembrou o principezinho, que nunca esquecia a pergunta que houvesse formulado.
– Teu pôr-do-sol, tu o terás. Eu o exigirei. Mas eu esperarei, na minha ciência de governo, que as condições sejam favoráveis.
– Quando serão? indagou o principezinho.
– Hem? respondeu o rei, que consultou inicialmente um grosso calendário. Será lá por volta de… por volta de sete horas e quarenta, esta noite. E tu verás como sou bem obedecido.

UM EXERCÍCIO

(de estilo? sob contrainte?) em torno de um tema que me obseda e que tem tomado conta de conversas:

DAS LIMITAÇÕES

Somos seres limitados que têm consciência disso – e talvez os únicos que tentam lutar contra algumas limitações ao mesmo tempo em que criam outras. Tendem a aceitar muito bem as próprias limitações (prova de bom-senso e respeito ao próximo), mas pouco provavelmente aceitam tão bem as limitações (escolhas) dos outros. Com isso, podem pregar uma liberdade que tiraniza: – exercício de dar nomes às coisas?

NÃO DIZER NADA

mas mostrar.

Coreografar os mínimos movimentos cotidianos, arquitetar todos os planos em espaços milimetricamente simétricos, ou quando não, ao menos demarcá-los muito bem, para que neles as cores falem por si mesmas, que os olhares cúmplices digam tanto quanto as velhas canções. Mostrar que as coisas não são naturais.

O que resta do tempo” tem muito do humor silencioso de Buster Keaton ou de Jacques Tati (fiquei com medo de essa minha impressão durante o filme ser um lugar-comum), tanto pelo vazio-cheio do cotidiano, como pela própria presença deles frente às câmeras. Eles circulam por entre os outros personagens menos para agir do que para multiplicar e desequilibrar o olhar.

Elia Suleiman traz a história de seu pai e de sua mãe, mais do que a história de seu retorno à casa; e é menos uma tentativa de contar a ocupação do que simplesmente contá-la como se pode, com o silêncio resignado e resistente, com esmero em criar coisas belas. De um mesmo belo de “Paradise now”, outro palestino.

Suleiman fala de outro retorno seu a Nazaré em “Crônica de um desaparecimento“, que está completo no youtube, assim como “Intervenção Divina“, entre vários outros filmes palestinos . Uma experiência e tanto, ver um longa no youtube em várias partes…

E mesmo assim, pensando nas experiências que são os filmes, não consigo evitar: adoro essas fotos de Cannes, que mostram talvez a razão de ser do cinema.