A FOTO É PEQUENA

mas foi o que eu consegui, com os meios que tinha, registrar da paisagem do café do Sesc Paulista, que está fechando. Passei a tarde de ontem lendo e escrevendo lá, e vendo o grande número de pessoas que foram ao café para aproveitar “seus últimos momentos”. Vários turistas também, como deve ser de costume. Algumas pessoas ficaram tanto tempo quanto eu (cheguei 15h e saí eram mais de 20h), conversando, lendo ou tirando fotos. O pôr-do-sol foi bonito, laranja. Ventava mas não passei muito frio. As nuvens cinzas não se transformaram em temporal.

*

Sonhei que fui à aliança e o diretor (um cara que se parecia com o Bill Clinton) me chamava para trabalhar lá, mas me oferecia muito pouco, algo como 5 reais/ hora. Me fez esperar um tempão fazendo cálculos para ver se podia me pagar mais. Enquanto isso contava que ia passar o resto da vida no Brasil, vestido de índio (mas era um vestido de índio como as fantasias de criança), numa cidade onde se passava a novela Corpo dourado. A esposa dele estava de acordo. Eu já via o cara vermelho correndo no mato com um cocar comprado na loja de fantasias.

UM CABELEIREIRO CHINÊS

ficava numa casa amarelecida pelo tempo. Velhinho, contava com um assistente, que mais parecia seu chefe. Era um moço loiro, que pouco entendia de corte mas sabia administrar o negócio do chinês, sentado num balcão.
Fui cortar o cabelo com esse chinês. Não queria cortar o cabelo, quero deixar crescer, quero que ele fique bem longo. Eu estava lá mais para ouvir algum conselho desse velho sábio, que com poucas passadas de tesoura conseguia mudar a vida das pessoas.
Ele cortou meu cabelo seco, e ele parecia crespo, assim como ele era quando eu tinha uns 12 anos. Esse sonho me lembrou um corte de cabelo, num salão na rua Martim Francisco, que nem deve mais existir. A velha senhora cortou meu cabelo seco também. Sabe-se lá porque eu não estava sentada, mas de pé. Tive uma tontura, uma queda de pressão, quase ia desmaiar mas aguentei até o final. Meu cabelo ficou horrível, todo despontado. Minha mãe reclamou e nunca mais voltamos lá.
No sonho, o mestre chinês falou sobre a minha boca e a minha respiração.
Queria 38 reais pelo corte, eu tentei negociar, mas o moço loiro não deixava que se pagasse menos que isso.
Eu acabei abandonando o salão do velho chinês antes que o corte terminasse.

LISTA DE PROFISSÕES

que eu já pensei em seguir, e ainda penso em alguns momentos:

1. funcionária do metrô
2. cabeleireira
3. arquiteta
4. percussionista
5. funcionária de sala de cinema (como meu avô, que fazia um pouco de tudo: que ia pegar rolos de filme na distribuidora, rasgava o papelzinho na entrada, ficava na bilheteria, etc.)
6. cartunista da Folha (nada mais, nada menos)
7. ghost-writer
8. apresentadora de programa de viagem da tevê paga
9. jardineira

PARECE QUE DO NADA

uma vontade vem: de sair da mesa, pegar um livro. Tinha uma desculpa para isso: estava com uma dor nas costas.
E o livro parece muito mais convidativo. Lê-lo na cama, sem interrupção, até o fim. Por mais que haja a obrigação, a prioridade, dá muito gosto o desvio. Ou melhor, a bifurcação mesmo. O fato de haver as duas possibilidades: o sim e o não.
As coisas todas na agenda esperam o seu tempo.

OS GÊNEROS

principais cabem em “O segredo de seus olhos”, no imdb: thriller, romance, drama, comédia, filme de crime; ainda reúne uma lista de “palavras-chave” curiosas. Uma me pareceu interessante: “local blockbuster”.
Podia ter uma palavra-chave assim: “funcionalismo público”. Caberia como uma luva!
O diretor, além dos filmes com toques de engajamento, também dirige seriados para a tevê nos eua, descobri isso agora também. Assim como Darín participou de um episódio de Chiquititas argentina.

O filme, como essa maneira de falar dele, é um pretexto. O filme me fez pensar em deixar um caderno bem do lado da cama, e anotar o que vem no sonho. Que sonho ele teve naquela hora? Parece que esse sonho, se foi colocado no filme, é feito para que nos esqueçamos dele. Boa sacada do roteiro, dentre tantas.

Além disso, uma pequena ponte entre O segredo de seus olhos e O filho da noiva: a questão do tempo longo que passa mas que não apaga nada; parece que traz de volta algo quando na verdade nunca esse algo nunca foi embora. Guardar um caderno em branco, um recorte de jornal esperando o dia em que ele vai dizer alguma coisa. Dizer porque o tempo passou.

O INGLÊS

que o Caetano fala parece só dele, um inglês que parece o melhor articulado, o mais clear. O sotaque de nenhum outro falante, mas o inglês de todos os falantes. Um som que me agrada em particular vem das músicas que ele canta em inglês.

Talvez tudo tenha começado com London, London, a versão dele em contraste com o que Paulo Ricardo fez nos anos 80 – as músicas acompanhadas de piano e violino também ocupavam um lugar especial na infância; assim como “Flores em você” do Ira, “London London” do Paulo Ricardo devia ser acompanhado parado em frente ao rádio, deixando os minutos passarem.

Conhecendo depois o disco do Caetano de 1969, de capa branca com a assinatura dele, um dos primeiros CDs que compramos em casa, vi que o repertório em inglês dele é maiorzinho e igualmente me encanta. Bem mais recentemente ele fez um CD todo de repertório dos EUA. Mas ainda uma música de 1969 me parecia alienígena, também procurava flying saucers in the sky: “Não identificado”. Pequena, eu achava que o refrão era uma língua distante, vinda da Índia, um dialeto de urdu renovado: como um objeto não identificado…

UM HOMEM SÉRIO

começa de várias maneiras, ou começa em diferentes momentos: uma citação, a pequena história do dybuk na casa de judeus em algum lugar da Polônia, os créditos iniciais com os nomes dos atores, o check-up que o pai de família está fazendo numa época que oscila, num lugar também incerto – mas nos EUA.

Só nos momentos finais temos a ligação do médico, um tanto assustadora: o resultado do raio-x precisava ser informado pessoalmente. Durante todo o filme, o que acompanhamos seria um tipo de exame desse homem: o irmão com um problema de cisto, o dentista que encontra mensagens nos dentes de um cliente, a vizinha que se bronzeia no quintal, a filha que quer operar o nariz, o filho que terá provavelmente problemas de audição no futuro.

DA ORTODONTIA

eu esperava a correção de um erro de posição dos articuladores do maxilar: atm, do qual pouco sei em teoria, mas talvez o necessário na prática. Erro aparente desde as primeiras fotos de infância, mas que era só um traço da fisionomia. No fim da adolescência, e anos depois desse fim, o erro começou a se mostrar doloroso. E insuportável. A solução foi tratar desssa dor e desses movimentos com outras dores e outros movimentos. Movimentos e dores estes com função de fazer pensar em atos cotidianos que podiam me passar despercebidos: a mastigação, o bocejar de manhã, morder um chocolate, dar uma aula. Tratamento que me leva a descobertas recentes: 1) o toque dos dentes não é necessário: somente em 17% do dia;  2) tenho força de 120kg/cm cúbico mas não tenho coragem de morder uma maçã. 3) a arte da conversa – dos dentistas – para o qual só podemos responder: – ah! – com a boca aberta.

O CÉU SUECO

(em 2012, não só será possível ver a aurora boreal na Suécia, mas como de lá partir numa nave e ver os raios de pertinho; mais infos aqui)

tem aurora boreal. E não só isso:

o céu sueco é como ovonovo: vai e volta ao mesmo lugar. Tanto faz se percorrido de trás pra frente como na ordem em que se lê: é um palíndromo. Como vários outros palíndromos, são bonitinhos. Levantam voo e alcançam sempre outra coisa.

Não sei se já existe, mas ontem depois de comer pizza de alho, chegando em casa, criei esse aqui:

oh! lá, alho!

Talvez menos bonitinho que os outros, mas talvez seja só um começo.