HOSPITAL OU CASA DE PARTO?

— visitar ambos os lugares foi essencial para nos decidirmos. Eu já tinha mais simpatia pela ideia da casa de parto; com uma gravidez sem qualquer risco (o que é o caso da maioria das grávidas, diga-se de passagem), poderia de cara optar por ela, mas por via das dúvidas programamos de visitar os dois locais.

O hospital oferece uma apresentação de suas instalações a cada dois meses. Era um dia de semana, terça, acho, por volta das 19h. Havia uns 200 casais, num enorme auditório. À frente, a GO chefe, o pediatra chefe, uma parteira, uma secretária. Cada um deles falava junto a uma apresentação em power point, em que predominavam as piadinhas. “Queremos causar uma boa impressão em vocês”, dizia o primeiro slide, lembro bem. Boa impressão?!

A GO chefe mostra gráficos; o hospital tem, segundo ela, baixos índices de cesárea: 30% — mas não explica, é claro, que a OMS recomenda 15% de cesáreas no máximo. Episiotomias: 30% dos partos normais. Uso de fórceps: 30%. Partos sem essas intervenções: outros 40% — mas ela não esclareceu, obviamente, o que é episiotomia. Quem não sabe também não levantou a mão para perguntar. Nem se questionou se realmente esses procedimentos são rotina ou apenas para casos extremos. Ou se há alternativas. E vamos aos próximos slides.

Num deles, fizeram outra recomendação que me desagradou muito: “Não leia tanto! Informação pode deixar as pessoas inseguras e confusas; a internet não oferece dados confiáveis”… aham. Comigo não rola esse papo.

O pediatra fala somente de um assunto: as vacinas, como elas são importantes. Cita as vacinas recomendadas, as datas em que são aplicadas. Mais nenhum outro assunto. Como assim, ele não falou nada a respeito dos cuidados com o recém-nascido? O que fazem com o bebê logo que ele nasce? Quais os procedimentos do hospital? Nada.

A secretária diz que é possível realizar um ensaio fotográfico com o recém-nascido já no hospital. Acrescenta que o casal pode escolher um cardápio especial de jantar na noite depois do parto. Fiquei pensando: — onde está o bebê durante o jantar? chorando no berçário?

Depois das apresentações, pudemos conhecer as salas de parto e os quartos de um andar do hospital, todo vazio, reservado para a visita. Também serviam canapés, sucos, frutas.

A casa de parto recebe interessados todo sábado, com visita agendada. Lá, nos receberam uma parteira e uma enfermeira. Éramos dois casais no total. Visitamos todas as instalações (e não somente um andar…), salas de parto, quartos livres, cozinha, sala de jantar. Conversamos sentados numa mesa, tirando dúvidas, resolvendo curiosidades. Vocês cortam o cordão umbilical em que momento? O que vocês fazem com a placenta? De que maneira aplicam vitamina K no bebê? Que recursos existem para aliviar as dores? Vocês lavam as nossas roupas? Posso fazer acupuntura nas

Elas não tinham gráficos para mostrar a incidência de episiotomias ou cesáreas. Mas disseram que lá acontecem em torno de 200 partos por ano e nesse período 4 mulheres foram levadas ao hospital porque não conseguiam dar andamento ao parto ali — uma porcentagem razoavelmente baixa.

Em resumo: no hospital, uma equipe grande falando a um auditório vasto, sobre assuntos amenos (fotos, jantar, piadinhas, regados a suco de fruta); mas pouco espaço para as questões importantes do parto. A ideia que paira, ao meu ver, é de delegar tudo aos médicos, às autoridades — algo como: “para que é importante saber o que significa episiotomia? melhor nos deliciarmos com um jantar especial e tirarmos belas fotos do bebê… os médicos e enfermeiras cuidam do resto”.

Na casa de parto, pouca gente, muita proximidade; uma equipe pequena que te chama pelo nome. Sentimos que havia espaço para se expor, para se sentir acolhido. Não evitaram de falar sobre os detalhes do andamento e duração do parto, os cuidados com o corpo. E que, fundamentalmente, uma casa de parto é dirigida por parteiras. Lá as mulheres não são pacientes. Isso já se relaciona com a própria maneira de encarar o parto — não se trata de uma intervenção médica, mas de um evento da vida.

Não haveria muita diferença em termos de custo. Uma casa de parto não cobra mais caro, ao contrário do que se pensa.

Como falarei mais adiante, a casa de parto também tem seus pontos fracos. Independente da escolha, o importante é que a mulher se informe muito, sobre o andamento do parto, sobre os procedimentos. É recomendável fazer um plano de parto e encaminhar para a instituição ou para a equipe que realizará o parto domiciliar.

EU ANDAVA

muito pela cidade, meio cinza como ela está, mas era na Polônia. Estava com um livro para ler e um disco de uma cantora para cantar junto. Não consigo lembrar se a cantora existe só no sonho; as músicas eram geniais. Chego na Santa Casa, moças vão saindo aos pares, felizes, dando sorrisos e olhando para trás, em direção ao jardim. Fico pensando no que os médicos disseram a elas.

A mãe de um amigo está lá com uma criança, ambas doentes. Ofereço suco. Ela é rude comigo, resolvo ficar lendo no jardim. Lá chega um outro amigo: ele começa a cantar comigo as músicas da cantora, ficamos felizes, comentamos as melodias, as batidas, as letras, saímos andando pela Amaral Gurgel. Assim felizinha com essas músicas perdidas eu acordei.

INDO E VINDO

do hospital semana passada, na primeira ida pensei: esse lugar que nos afasta da doença, da morte. Que coloca tudo num mesmo fundo branco, um mesmo cheiro que não é cheiro de nada: assepsia, silêncio, frieza.

E como era tudo num certo antes que não temos mais: dos partos às mortes, tudo acontecia aqui no quarto, ao lado, no contato. Agora, diagnósticos por imagem, e não vemos mais quem sofre.

Ainda voltei ali mais vezes; e voltando, recorri a  imagens de hospitais, de filmes – me veio logo Fale com ela, depois a maca de A vida secreta das palavras (e Srta. Cora do Cortázar), os sanatórios como em O sopro do coração, ou mesmo Um estranho no ninho -, os seriados – Plantão médico que eu via tanto na tevê, e o número considerável de séries médicas, já um gênero à parte.

A repetição: dos turnos de enfermeiros, a visita diária rápida da médica que tem tudo a dizer na ponta da língua, as refeições com sua montagem e disposição, trouxe um pouco do sociável, dosado de acolhida e distância.

Talvez por ter uma cama ali para mim, por eu ter levado livros, por ganhar um tantinho de comida. Por ter uma abertura, mesmo que mínima, de janela.

Talvez por eu poder reencontrar ali, em outro cenário, os mesmos personagens com quem convivo, num roteiro desconhecido. E viver outras cenas, falar outras palavras.