ROSA OU AZUL?

é uma outra formulação para a pergunta “é menina ou menino?”; impressiona essa distinção entre cores e sexo que, para começo de conversa, não passa de uma construção cultural.

Ela tem ficado cada vez mais evidente para mim, especialmente a partir do começo da gravidez. A cada dia que passa, vou prestando mais atenção a mães, pais e crianças que conheço e vejo pela rua: como se relacionam, o que as crianças vestem, onde vivem, do que brincam, o que compram no supermercado. Muito do que vejo — meninas com seus casacos rosa, meninos voltados ao perfil “pequeno aventureiro” — atende a essa separação de gêneros.

Ainda passeando pela rua, fico alegre quando alguém me aborda, perguntando se o bebê que carrego nos braços é um menino ou menina — coisa que acontece bem frequentemente. Fica difícil dizer se o Francisco é um menino porque foge ao azul, vestindo um casaco amarelo ou uma blusa cinza; melhor assim.

Já relatei, nos posts anteriores, um pouco da nossa experiência: no primeiro dessa série, conto como e porque a gente preferiu esperar o nascimento para saber se teríamos um filho ou uma filha; no seguinte, faço algumas reflexões em torno de uma série de fotos que explora o rosa e o azul em quartos de meninas e meninos.

Nem preciso dizer que, desde que nasceu, ele já ganhou muitas roupas e presentes que seguem o azul — é o que acontece com todo menino, soa uma obviedade. Todo presente é um gesto de carinho e consideração, é claro; mas no fundo torço o nariz, ao me dar conta de que a pessoa  encontra-se limitada no momento de escolher algo para uma criança. Não me excluo dessa situação: muitas vezes sinto-me num beco sem saída, quando preciso comprar roupa ou brinquedo para uma criança.

[adendo: por que essa polarização é ruim? eis uma triste história, de um menino de 11 anos, que gosta de rosa e pôneis]

Ao começar a escrever esse post, partindo do título, lembrei-me de “Rosa e azul”, pintura de Renoir, uma das mais populares do acervo do MASP. Ainda pequena, visitando o museu, pensava: “são duas meninas, mas uma delas está usando um vestido azul!” O que se esperaria de um título como “Rosa e azul” seria o retrato de uma menina e um menino, cada um com a sua cor. Possivelmente eu continuava a pensar assim: “ah, vai ver que antigamente as cores não eram separadas como são hoje em dia…” — quem sabe!

Voltando ao início do post, estamos em meio a uma construção cultural muito polarizada entre os gêneros. Diz-se que, antes das Grandes Guerras, as cores associadas a meninos e meninas era o inverso de hoje. Aos meninos era aconselhado usar rosa, que era uma versão leve da cor vermelha, tão comum nos artefatos de guerra. O azul, cor da Virgem Maria, seria a cor para as meninas. Depois, por conta de uma estratégia de mercado, o oposto começou a ser oferecido para mães e pais.

Essa polarização entre rosa e azul já existia quando eu mesma era criança. Eu gostava de vermelho (que por acaso era a cor mais forte do uniforme do pré: camiseta branca, shorts e conga vermelhos) mas não vivíamos em condições em que eu pudesse escolher e consumir de acordo com meus gostos: as roupas e sapatos passavam dos primos grandes para mim, e depois para minha irmã e meu irmão, menores. Os brinquedos eram coletivos. Uma bicicleta foi passada do meu primo, minha prima e depois para mim, até quebrar.  Um quarto só para mim? — nunca tive. Comprava-se peças de lego simples, que serviam para montar qualquer coisa — não somente uma casa de bonecas ou um posto de gasolina, como se vê mais hoje em dia. Era muito difícil pensar em algo personalizado, ou que valesse somente para menino ou menina.

Um desenho da infância que me chamava a atenção era Cinderela, da Disney. Sabe-se lá porque motivo a cor predominante dos seus vestidos é azul, mesmo quando ela é a doméstica na casa da madrasta. Mas há uma cena, talvez a mais feliz de todo o longa, em que ela dança com o príncipe. Naquele momento, seu vestido muda de cor: passa do azul ao amarelo, ao rosa, verde… vai mudando, mudando. Talvez assinalasse que a felicidade poderia ser de qualquer cor, de todas as cores.

Publicado por

anameliacoelho

Conto estórias, crocheto, tricoto, junto fios e tramas.

Um comentário sobre “ROSA OU AZUL?”

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s