também visto agora em janeiro, assim como “Cidadão Boilesen”. Penso que ambos mereciam ser tratados juntos, pelas suas semelhanças como no que se distinguem, mas já escrevi sobre Boilesen em separado.
“Crítico” também é um trabalho de anos de pesquisa e coleta de material, também dirigido por alguém que manteve trabalhos e projetos paralelos ao documentário – Kleber Mendonça Filho, que além de realizador é crítico.
Não sendo as únicas ocupações de seus realizadores (o que não é negativo), os dois documentários se mostram como frutos de esforço e de uma grande vontade de mostrar (ou mesmo de contruir?) o objeto de suas preocupações. Em “Boilesen”, o que ainda não investigamos suficientemente sobre a nossa própria história; em “Crítico”, perguntar a quem faz cinema e quem escreve sobre cinema o que é falar sobre cinema.
Kleber fez algo muito mais simples do que Litewsky: pegou os aparelhos que estavam à mão e foi aproveitando as oportunidades que apareceram; soube recolher o que estava à disposição, o que estava ao seu alcance. Ao menos é o que parece. Daí, dessa aparente pouca ambição, ele consegue falar com todo mundo – algo que à sua maneira também aconteceu em “Boilesen”. Kleber fala com diretores e críticos de jornal das mais diferentes origens e orientações… Consegue juntar os produtores dos irmãos Farelly e Aki Kaurismaki (a “entrevista” das mais sintéticas e poderosas), de Carlos Saura a Samuel L. Jackson. De todos parece ter conseguido confiança: os relatos são todos simples e sinceros, como conversas entre companheiros de trabalho, ou entre amigos, recortados, organizados tematicamente, entremeados por imagens mudas em movimento (disponíveis em domínio público): o cinema no que teria de mais técnico (ou algo tão técnico quanto a realização e a crítica?) – o fenômeno físico que conseguimos captar com nossos olhos, a mecânica dos corpos e das máquinas.
O final reserva uma pergunta que ia me fazendo ao longo do filme: onde está o Kleber, falando também, como os outros, sobre o que faz, ele tanto crítico como realizador? A rápida participação de Rodrigo Santoro traz a pergunta – algo como “onde está você?” – e a deixa em aberto.
Eu, como me dedico também a um trabalho crítico, mas concentrado em literatura, sempre me faço perguntas como essa (“onde está o pesquisador?”), tanto no que escrevo como no que leio dos outros. A presença do sujeito no que faz, no caso dos filmes, já disse isso em outro lugar (e essa ideia não é minha), está nos nomes próprios, que nos filmes vão se desenrolando nos créditos – e são bem mais numerosos do que num livro, por exemplo. A autoria é um trabalho dissolvido em mais de um indivíduo.
Nesse sentido, que documentário mais autoral do que “Crítico”, feito por Kleber e poucos parceiros, com poucos recursos e ao longo de anos de trabalho – mas que ao mesmo tempo reúne 70 vozes de horizontes diferentes?
Fora tudo isso, vejo que faltou pensar na crítica de cinema feita na academia e mesmo no público, na crítica não profissional. Quanto à relação entre a formação de cineastas na universidade, eu me pergunto, não sei: há uma formação universitária para críticos de cinema? Aconteceria o contrário de um curso de Letras, que visa, entre outras coisas, formar críticos literários mas não forma necessariamente escritores? Inevitavelmente pensei como seria instigante pensar num documentário sobre crítica literária…
[adendos: uma entrevista e uma crítica, que encontrei depois de ter escrito]