EU BEBO ÁGUA

parece ser a coisa mais corriqueira desse mundo. Todo mundo bebe água. Água é fundamental para a vida. Nosso corpo é feito, em grande parte, de água. Praticamente impensável que beber água possa fazer mal. Mas pode, quando se torna excessivo. Pois esse foi o meu caso.

Pouca gente conhece esse tipo de compulsão. Ninguém vem te falar: “olha, você está bebendo água demais”. Alguém pode te comentar se fuma demais, se bebe demais. Muito sutil dar-se conta de que um hábito que é visto como positivo, saudável, possa ser perigoso.

Eu já conhecia. Amélie Nothomb, em Biographie de la faim, conta justamente a potomania, anorexia e bulimia que ela e sua irmã tiveram. Dias atrás, relembrei quase que instantaneamente do nome desse desejo por água: potomania.

Não sei se posso ser enquadrada num caso assim, é provável. De qualquer maneira, demorou muito mas percebi que a água é um problema para mim, uma dependência. Estava na minha frente há anos e anos. Era uma garrafinha de água. Devia ser aquelas de 300 ml. Depois mudou para aquelas de 500 ml. Como eram mais baratas, comecei a comprar garrafas de 1,5 l. Com o tempo, comecei a ter uma garrafa perto da cama, na mesa do computador. Até no banheiro cheguei a deixar uma delas, para o caso de eu ter sede. Praticamente em cada canto da casa. E não somente uma, mas duas, três. Garrafas vazias também.

Porque eu tinha sede. Bastante sede. Ainda tenho. A boca e a garganta secas. Era por isso que eu bebia, oras. Se tenho sede, devo beber água. Para me hidratar. Para as toxinas. Para a saúde. Para o bebê na barriga. Para ter leite.

Saindo de casa, eu precisava de uma garrafa por perto, ou de um bebedouro. Pesquisando aqui no blog mesmo, achei um post em que falo dessa coisa de ir encher a garrafinha no bebedouro. Precisava também de banheiros à disposição, regularmente.

Faz uns dias, comecei a ter tonturas, a visão embaralhada. A barriga pesada. Pensei que era algo que eu tinha comido. Tenho digestão difícil, lenta. Já sofri de gastrite no passado. Bebi água para ajudar. Fui dormir mal, me sentindo estufada.

A mesma situação retornou depois de uns cinco dias, mais forte. Eu tinha fome mas sentia que não tinha espaço na barriga. Comi iogurte, frutas. Precisava de água. Em menos de uma hora dei conta de um litro. Mas durante o dia foi muito mais, não sei quanto. 20 litros, talvez? Bem possível. Além da água pura, no almoço preparei sopa e no café da manhã tinha tomado suco de laranja. Nem consigo imaginar a quantidade de líquido que tinha ingerido.

Muita tontura e fraqueza o dia todo. Dormir à noite não conseguia. A barriga estufou, como se seu estivesse grávida, mais para cima. Vomitei bastante, água principalmente.

Quem já me alertava, muito carinhosamente, era o marido. Eu não dava importância, dizia que eu precisava. Levantava o argumento da sede. Nesse momento em que já não cabia mais água em mim, toda inchada, aceitei. Eu bebo água demais. Foi um grande passo.

peixim

E vieram muitas e muitas ideias pela cabeça, junto àquela fraqueza. Antes de cair no sono, relembrei muitos fatos. Que já dez anos atrás, quando trabalhava em biblioteca, tinha uma garrafinha do lado do computador. Aquele hábito saudável. Um chefe me repreendeu um dia, dizendo: — Assim você acaba com os nossos galões de água! — Mas como era uma pessoa que sempre me fazia críticas infundadas, que me perseguia, eu não liguei.

Já dando aulas, lembro que durante o intervalo eu enchia e terminava já no mesmo instante com uma garrafa de 500ml; reabastecia com mais 500ml para ir tomando durante o curso. Hoje em dia, quando passeio, preciso sempre levar uma garrafa de 1,5 l. Se é longo, são duas. Fui associando momentos e hábitos. Em quase todos esses momentos, muito comum que eu bebesse água muito rápido e em grande quantidade. E que eu precisasse muito ir ao banheiro.

Inúmeras coisas passaram pela cabeça: sonhos, livros, filmes, desenhos, letras de músicas. Recordações as mais diversas.

Dormi e a partir daquele dia mudei um hábito. Em vez de beber água direto da garrafa, sem me dar conta se ingeria 200, 300 ou 500 ml, estou com uma xícara de chá. Não medi, mas deve ter uns 200ml no máximo. Coloco água ali e vou dando golinhos.

Sede? Ainda tenho, muita, sempre. Mas desde aquele momento lá, em que me dei conta, sinto a sede e espero. Espero. Tudo seco. Depois de um tempo essa sede passa, simplesmente, sem água nem nada, só esperando mesmo. Tendo paciência.

Pesei-me nesses dias, a cada manhã, ao acordar. No espaço de dois dias, em que descobri o excesso de água e o seguinte, foram 3kg a menos. Muito certamente era água que eu tinha acumulada no corpo, porque depois dessa perda meu peso se estabilizou.

Não sei a partir de quando o consumo de água tornou-se exagerado. Somente depois de sentir-me mal fui pesquisar: beber 6 litros ao dia e urinar 2,5l  é o máximo recomendado. Fico imaginando quantas vezes tive uma indigestão ou um cansaço devido o excesso de água no corpo. Vai saber o que posso ter feito mal a mim mesma, à minha saúde, fazendo algo que acreditava ser bom.

Como sabem pelo blog, estou amamentando. Imagine viver isso numa época em que se está nutrindo um bebê… Como muita coisa não é por acaso, eu devo essa descoberta à maternidade. Sou muito grata ao Marco e ao Francisco por me fazerem ver essa parte de mim que eu desconhecia, mesmo estando à minha frente, ao meu lado — há muitos anos, mesmo antes de conhecê-lo, de ter chegado entre nós. Lendo A maternidade e o encontro com a própria sombra, livro que eu indico fortemente a quem esteja esperando bebê ou já tenha crianças, pode-se entender mais do que estou falando (há uns trechos aqui).

Escrevo esse relato — que acredito terá seguimentos, outros posts virão sobre o tema — também como um alerta. Pelo que pesquisei, um consumo que supere 10 litros diários pode causar intoxicação. Um post aqui, e outro em francês, trata desse assunto de maneira simples. Ainda procurarei mais sobre o assunto.

Posso dizer que mudei, em alguns dias? Deve ser aquele sistema: um dia depois do outro, um dia de cada vez. Já comecei antes umas terapias, mês passado. Vou incluir essa variável entre os elementos a tratar. Escrever é muito terapêutico para mim, sempre foi. Ler também. E fazer crochê é uma grande diversão. Acima de tudo, mergulhar na vida com um bebê, com tudo de delicioso e duro que isso comporta, é o mais importante para mim agora. A delícia supera em muito, com a sensação de poder se renovar a cada dia.

Publicado por

anameliacoelho

Conto estórias, crocheto, tricoto, junto fios e tramas.

4 comentários em “EU BEBO ÁGUA”

  1. pois é, eu só fui perceber quando me “embriaguei” de água! beijo e obrigada também pela visita ao blog :-D

  2. Nossa Ana… que maluquice…me reconheci totalmente no seu post, minha casa, meu carro, minhas bolsas são repletos de garrafinhas, não vivo sem elas…mas nunca quantifiquei. Vou começar a olhar com mais atenção para algo que acreditava ser totalmente sadio, merci! bj gde

  3. obrigada, Lilica! não baixei um app, como você sugeriu, mas estou controlando bem melhor o consumo de água :*

  4. Eita loucura! Não dá mesmo para se imaginar que exista tal compulsão… nem sabia do nome. Bom, força aí, q Francisco e Marco te ajudem a passar sede…. hahahaha… tô brincando!
    bj

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